segunda-feira, 23 de maio de 2022

MEMÓRIAS DE UM BONDE PAULISTA

Por volta de 1950 morávamos no bairro do Pacaembu, e meus pais costumavam visitar amigos que viviam em Socorro, subdistrito de Santo Amaro. Para nós, crianças, era uma aventura e tanto, pois tínhamos de tomar um bonde conhecido por “camarão”, pela pintura vermelha típica.    

      Partia da Praça João Mendes e subia pela Rua Vergueiro e Domingos de Morais e quebrava á direita na atual Rua Conselheiro Rodrigues Alves até chegar ao Instituto Biológico. A partir daí, a linha dupla dos bondes entrava numa reta a perder de vista. Parecia que estávamos andando sobre trilhos de trem. pois sob os mesmos ficavam expostos os dormentes, cobertos  por pedra britada entre os trilhos. Ao longo do trajeto, observava-se muita mata, com várias chácaras e com casas mais concentradas nas paradas dos bondes, onde havia também passagens de nível, tanto para pedestres como para veículos.

      Em cada parada havia uma enorme placa, sustentada por dois postes verticais, pintada de branco, com os nomes das paradas em preto. As paradas das quais me lembro, eram Parada Ipê, Ibirapuera, Libanesa, Moema, Indianópolis, Pavão, Vila Helena, Rodrigues Alves, Campo Belo, Piraquara, Frei Gaspar, Volta Redonda, Brooklin Paulista, Petrópolis, Floriano, Alto da Boa Vista e Marechal Deodoro. A partir desta, o bonde entrava na Avenida Santo Amaro, indo em trilhos cercados por paralelepípedos até alcançar o Largo Treze de Maio, o centro comercial de Santo Amaro. De lá, o bonde descia para uma praça onde havia um bonde aberto que nos transportava até o Largo de Socorro, através de uma ponte sobre o rio Pinheiros. Nunca soube por que o “camarão” era substituído por um bonde aberto. Faço as minhas conjecturas: a) o “camarão”, sendo maior deveria pesar muito mais que o bondinho aberto e talvez a ponte não suportasse seu peso! b) o Largo de Socorro era pequeno e não comportaria as manobras de um bonde tão comprido. Não consegui descobrir o real motivo (pela Internet). Depois, fazíamos o caminho de volta, cansados porém felizes pela viagem.

     Em 1958, eu estudava no Instituto de Educação “Professor Alberto Conte” (IEPAC) em Santo Amaro. Eu pegava o bonde perto da Brahma, no Paraíso, pois a essa altura, morávamos na Rua Manoel da Nóbrega. No bonde, além dos coleguinhas do IEPAC (que a gente reconhecia pelo uniforme cáqui típico), convivíamos frequentemente com alguns professores que iam de bonde para a escola. Destaco em especial, a professora de história, D. Ceci e o professor de matemática, professor Ettore Bezzi. Sempre havia assuntos para bate-papos, principalmente sobre futebol, pois não era o ano da Copa?

     Presenciei dois acidentes com os bondes neste trajeto. O primeiro deve ter ocorrido em 1958, pois ainda não tínhamos mudado para Campo Belo e eu só pegava o bonde de Campo Belo em diante para Santo Amaro, quando fui morar lá.

     Um automóvel, vindo em alta velocidade, quis atravessar na frente do bonde e chocou-se na lateral do mesmo. Isso foi no cruzamento com a atual Av. República do Líbano (Parada Libanesa). Corremos até a janela do bonde para ver o que acontecera, porém vimos o motorista saindo do carro, tirando o chapéu e coçando a cabeça. Felizmente, parece que não se machucou. Pudemos pegar um bonde que estava logo à frente do acidentado e não perdemos aula. Foi motivo de muita conversa nas viagens seguintes

      Não saberia precisar quando foi o outro acidente, contudo foi seguramente após o descrito acima. Havia uma descida íngreme do Brooklin Paulista até a Parada Petrópolis e os bondes abusavam da velocidade nessa descida (ao lado da Lacta – Fábrica de Chocolates). Certo dia, chegando ao Brooklin, deparamos com uma fila de bondes parados. Houve um acidente envolvendo um bonde e estavam todos parados por isso. Os meus colegas  e eu, curiosos em saber o que sucedera, fomos até o local. Ocorreu em frente da entrada para a Fonte Petrópolis, onde se engarrafava água para comercialização. Um caminhão carregado de engradados com garrafas da fonte, tinha sido atingido em cheio por um bonde que não conseguiu frear, colhendo e arrastando o veículo por diversos metros. Não sei se houve vítimas, pois estávamos mais preocupados em nos desviar dos cacos de vidro espalhados pelo chão e  fazer a longa caminhada até a escola, a uns 5 km de distância. Pelo menos, ninguém foi punido por ter chegado atrasado.

      Em 27 de março de 1968, a última linha de bondes em São Paulo. foi desativada, justamente a   que servia Santo Amaro. 

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