quinta-feira, 13 de outubro de 2022

O ACIDENTE

 O congresso fora um sucesso. Foram três dias de atividades intensas. Além da parte científica, houve várias festas de confraternização, desde os almoços no próprio centro de convenções, até o tradicional jantar de encerramento no sábado. O presidente do congresso, nativo da cidade, ofereceu um almoço no domingo para uns vinte colegas e acompanhantes, e eu fui um dos convidados. Tinha ido ao congresso sozinho. Não me senti solitário, pois conhecia a maioria e as conversas foram animadas. Do congresso ao futebol era só um passo. Farto almoço, regado a vinho e cerveja. Como gostava dos dois, tomei um pouco de cada. Sabia que estaria dirigindo e calculei que pararia de beber pelo menos duas horas antes de ir embora, dando tempo para metabolizar o álcool.

     Não sei se nosso anfitrião tinha algum compromisso, ou se estava apenas cansado. Depois de todo o estresse que seguramente o congresso lhe causara, lá pelas tantas, todos estavam se despedindo, após receberem várias indiretas  de que estava na hora de encerrar aquele almoço. Serviu-se o cafezinho, um biscoitinho para acompanhar e... tchau!

     Era uma viagem de cerca de duas horas de volta à Capital, e eu já estava com as malas no carro, pronto para a partida. Sentia-me um pouco sonolento, mas nada como lavar o rosto num lavabo na casa do presidente, para me deixar desperto e esperto.

     Pus-me atrás do volante, despedi-me com um aceno e, após contornar várias praças e seguir as placas, atingi a estrada vicinal que me levaria à autopista para a capital. A cidade onde fora o congresso não era grande e se localizava no interior do Estado, num local de difícil acesso, justamente para que ficasse isolada do resto do mundo. Quando o colega fora convidado para presidir o congresso, a condição que impôs foi de que fosse realizado na cidade onde morava. Apesar da distância, foi aceita, contanto que se alugasse um número de ônibus necessário e suficiente para quem não quisesse ir de automóvel. Não era o meu caso. Gostava de guiar.

     A estrada vicinal era uma reta só que não acabava mais. Por isso, raramente os veículos respeitavam a velocidade marcada nas placas a cada quilômetro. Macaco velho, e com receio da Polícia Rodoviária, procurava me manter dentro dos limites de velocidade.

     Bocejava sem parar. Sentia as pálpebras pesadas. Opa, quase fui para o acostamento! Imagine se tivesse sido um precipício. Dei uma risadinha, endireitei a direção e prossegui. Ouvi uma buzinada e senti o carro balançar, quando um caminhão passou raspando na direção contrária. Achei que tinha exagerado quando quis me manter afastado do acostamento. Será que estava andando muito junto às faixas que separavam as duas faixas de rolamento? Com as pálpebras pesadas, semiabertas, procurei enxergar as faixas amarelas no asfalto e vi que estava longe delas. Bocejei de novo.

     Mas foi inevitável. Arregalei os olhos em tempo de ver um outro automóvel vindo em minha direção. Ele estava na contramão! Ou era eu? Tentei desviar, tentei buzinar, não sei o que fiz primeiro. Só sei que não foi possível evitar uma colisão quase frontal. Ouvi uma série de batidas e, depois... escuridão total.

     Quando me dei conta, estava deitado numa cama, num leito hospitalar, com as pernas engessadas, com gesso num dos membros superiores também e com a cabeça enfaixada. Como doía o pescoço e a testa! Minha primeira reação foi dar graças a Deus por estar vivo, pois o acidente deve ter sido bem feio. O que será que aconteceu com o motorista do outro automóvel? Ou foi um caminhão? Um ônibus? Dei novo bocejo. Como estava cansado. Olhei ao meu redor, mas não havia ninguém no quarto. Se eu tivesse uma parada, não haveria ninguém para me socorrer. Quando entrassem no recinto, já me encontrariam morto.

     Ainda com esses pensamentos macabros, esquecendo-me de ter dado graças a Deus por estar vivo, comecei a sentir um calor insuportável. Olhei pela janela e vi labaredas. Barbaridade! O hospital estava pegando fogo e não havia ninguém aqui para me acudir. Comecei a me movimentar e a gritar por socorro.

     Abri os olhos. Meu pescoço doía mesmo. A minha testa também. Pudera! Estava com a cabeça encostada no volante do meu carro, com todas as janelas fechadas e um calor sufocante. Batia pleno sol sobre ele, pois não havia sombra onde tinha parado. Bocejei de novo. Estava estacionado num posto de abastecimento da estrada. Não tenho consciência de como fui parar ali.

      Sai do veículo, meio cambaleante e dirigi-me ao toalete. De lá, fui à loja de conveniência, sentei-me a uma das mesas e pedi um café bem forte. Fiquei pensando no pesadelo que tivera e de como parei para tirar um cochilo.

     Jurei, lá mesmo, que nunca mais tomaria bebidas alcoólicas no dia que planejava pegar uma estrada. Dá de bater o carro de verdade e não apenas sonhar que isso tivesse acontecido... Imagine!

2 comentários:

  1. Anônimo21:43:00

    Caramba Walter
    Mas que sonho mais macabro e triste, pelo menos um final feliz

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  2. Anônimo22:36:00

    Está sua história, real ou fictícia, eu não conhecia. Se foi real, acho que não estava neste congresso.

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