sábado, 17 de outubro de 2009

A SALA DE ESPERA

Quando entrei no consultório, vi que teria de esperar muito para ser atendido. Todas as poltronas estavam ocupadas, menos uma para onde me dirigi. Quase perco o lugar. Não é que um garoto de uns oito anos quis sentar logo ali! E meus pobres ossos, como é que ficam? Fui salvo pelo gongo.

— D. Francisca, pode entrar com o Marcelinho. É sua vez de passar com o Dr. Juvêncio — disse a recepcionista.

O menino, um tanto contrariado, abandonou sua investida ao meu lugar e foi ter com o pediatra, levado pela mãe.

Sentei-me. Dei um suspiro. O homem a meu lado deu uma olhada de soslaio. O que é, pensei, nunca viu alguém suspirar? A verdade é que eu estava cansado após andar vários quarteirões desde a estação do metrô. Preferia vir ao médico de metrô do que de ônibus por ser mais confortável.

O coração já voltava à sua palpitação normal. Pude então tomar conhecimento do ambiente. Lá estava D. Lúcia, a recepcionista, atrás do balcão, com um telefone em cada mão, olhando para o cliente que acabava de chegar e acenando com o fone para que aguardasse enquanto terminava de anotar alguma coisa, provavelmente a marcação de uma consulta. Ao mesmo tempo, sua boca não parava de se movimentar, mastigando o interminável chiclete. Olhei para a porta de entrada de vidro transparente e vi que estava escurecendo lá fora. Ia cair uma tempestade, e eu não tinha trazido guarda-chuva.

Gosto de passar o meu tempo observando o ambiente onde me encontro até chegar minha vez de ser atendido. Só espero que nem toda essa gente esteja aguardando pelo Dr. João. É claro que não. É uma clínica bem grande, com vários médicos. As paredes da sala de espera estão pintadas de verde claro e os quadros pendurados ficam realçados devido às molduras escuras dos mesmos. Numa delas há dois de natureza morta, um tanto desbotados. Não sei se o pintor quis assim, ou descoloriram com o passar dos anos. Não gostei deles.

Epa! À minha frente, um paciente bocejou. Automaticamente, transmitiu a vontade do bocejo a vários outros dos presentes. Não pude evitar e também abri a boca para bocejar.

Centrada numa outra parede estava a reprodução de uma pintura que sempre apreciei pois, quando pequeno, havia uma parecida na sala de espera de meu pediatra. Nossa, quantos anos isso já faz! Depois de adulto, fui procurar a obra. Seu título: O Médico. O pintor: Sir Luke Fildes, um pintor inglês que retratou uma criança deitada em duas cadeiras forradas de travesseiros, com um médico sentado ao seu lado, com ar pensativo. O médico passara a noite toda ali e o pacientezinho já mostrava sinais de que estava se restabelecendo. Ao fundo, mãe e pai ainda desesperados. Segundo consta, Fildes pintou o quadro para homenagear um médico devido à sua dedicação ao cuidar de seu filho que, todavia, não teve o mesmo final feliz.

Meus devaneios foram interrompidos pela D. Lúcia, que já chamava outro paciente. O interessante foi que nenhum dos pacientes era para o Dr. João. Quis levantar para perguntar se ele se encontrava, mas a preguiça venceu e permaneci sentado.

Comecei a olhar para os rostos dos pacientes. Num canto da sala estava uma senhora de meia-idade, com os cabelos pintados de vermelho. Será que não sabia que essas tinturas destroem as raízes capilares, aumentando o risco de ficar careca? E nunca se olhou no espelho para ver como fica ridícula com aquela cor? “Madame,” gostaria de lhe dizer, “se já tem cabelos brancos e precisa pintá-los, então, por favor, use uma cor marrom ou preta. E pelo amor de Deus, tire esse batom vermelho rutilante da cara. Fica com cara de prostituta!” Ah, se tivesse coragem de ir até ela para dizer isso...

Oposto de onde eu estava sentado, um homem de uns quarenta anos não parava de digitar no seu laptop, apoiado no colo. Era o mesmo que havia bocejado. Parece que agora estava concentrado no que fazia. Vez ou outra, coçava a cabeça, o nariz, o pescoço. Parecia um verdadeiro pulgueiro. Será que veio ver um alergista?

Quais pensamentos teriam o menino e a menina sentados no chão, no meio de todos aqueles adultos? Brincavam silentemente, com alguns objetos de plástico colorido que eu tinha dificuldade de identificar de onde eu estava. Certamente era alguma brincadeira tranquila, que não requeria uma disputa, senão estariam gritando um com o outro ou pelos menos estariam se agitando.

Falando em agitação, na recepção ocorria algum problema. Um sujeito sisudo discutia com D. Lúcia. Ela ainda mastigava um chiclete e segurava um telefone na mão. Com a outra, gesticulava, tentando se defender das agressões verbais do homem. Eu observava isso consternado, pois conhecia a recepcionista há bastante tempo e sabia que era incapaz de fazer mal a uma mosca. Da mesma forma, era incapaz de se defender de atitudes como aquela. Será que eu deveria intervir?

Em dado momento, não resisti e de onde estava, falei, talvez até um pouco alto demais:

— Ei, moço! Vamos com calma!

Os outros pacientes olharam para mim, meio assustados. Imagine intervir numa discussão alheia. D. Lúcia que se virasse!

O homem parou de discutir com a recepcionista e virou-se para mim:

— Como é que é? O senhor que se meta com sua vida!

E soltou meia-dúzia de palavras que não poderia transcrever aqui. Várias pessoas ficaram boquiabertas com as suas vociferações, mas permaneceram inertes à sua reação exagerada. Eu é que não poderia ficar quieto.

— Ora, rapaz, se não quer respeitar alguém que tem idade de ser seu pai, pelo menos considere as senhoras e crianças que aqui estão.

— Eu já disse para se meter com sua vida, seu velho-de-araque!

Já se dirigia em minha direção. Não podia nem imaginar que tentaria me agredir fisicamente. A D. Lúcia estava freneticamente ligando o telefone e falando apressadamente no fone. Com certeza chamava o segurança para retirar o inconveniente dali. Ele se aproximava cada vez mais de mim. Eu gelei. Sabia que não teria condições de me defender, nem me embater com ele. O sujeito era mais alto do que eu, bem forte e estava chegando mais perto. Quis gritar, mas não saía um som sequer de minha boca. Ele se postou à minha frente e sua mão direita desceu no meu ombro.

— Senhor, senhor, acorda! O Dr. João está lhe aguardando!

Abri os olhos. Olhei a meu redor. Ainda havia pacientes na sala de espera. A senhora dos cabelos vermelhos estava lá. O homem do laptop também. Todos olhavam para mim e sorriam. Olhei para o balcão da recepção. D. Lúcia não estava lá, mas ao meu lado, com a mão no meu ombro e repetia:

— O Dr. João o aguarda. O senhor está bem?

Eu ainda não me conformava com aquela situação.

— Cadê o homem que estava gritando com você no balcão e que veio até aqui para me bater?

Tenho certeza que devo ter feito cara de vítima. D. Lúcia me respondeu:

— Eu acho que o senhor estava sonhando, porque ninguém gritou comigo, nem veio aqui bater em você.

Bem, acho que fiz cara de idiota, dei de ombros e me levantei.

Será que tudo fora um sonho mesmo, ou melhor, um pesadelo, ou o cara me acertou e eu apaguei. E agora, com receio de que eu pudesse processar a clínica, estavam todos fingindo que nada acontecera. Mas, pensando bem, não estou sentindo nada, nenhuma dor.

Ah, sei lá!...

Um comentário:

  1. Adorei sua mensagem. Parabéns. Grande médico e mestre. Que Deus o abençoe sempre, um abraço da sua mais nova cliente. Lucia

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