domingo, 5 de abril de 2009

VARÍOLA !



QUEM NÃO SE LEMBRA DA OBRIGATORIEDADE DE ESTAR COM A VACINAÇÃO ANTIVARIÓLICA em dia para se matricular na escola? Isso era um fato comum até apenas três décadas atrás, quando enfim a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou que essa grave doença estava erradicada.

Nenhuma outra doença afetou tanto a Humanidade, nem mesmo a peste bubônica, a tuberculose, a cólera ou a febre amarela. Derrubou vários impérios e o Homem viu seus filhos sucumbirem, ficarem desfigurados e cegos pela moléstia.

Há mais de 200 anos, Edward Jenner fez uma importante observação que serviu de fundamento para acabar com esse flagelo. As ordenhadeiras que contraíam varíola bovina pelo contato com úberes de vacas contaram a Jenner que ficaram protegidas da forma humana de varíola. Ele ouviu a voz do povo e comprovou o fato cientificamente. Não havia descoberto a vacinação, que já existia, mas sua técnica oferecia uma defesa confiável contra a doença.

Acredita-se que a varíola surgiu há mais de 10.000 anos em aglomerações agrícolas na África, espalhando-se para a Índia carregada por mercadores egípcios no último milênio antes de Cristo. Há evidências de alterações variólicas nas faces de muitas múmias, em especial na de Ramsés V, que morreu ainda jovem, em 1157 a.C.

A primeira epidemia de que se tem notícia ocorreu em 1350 a.C., na guerra entre egípcios e hititas. Numa epidemia em Atenas, em 430 a.C., observou-se que os sobreviventes da doença tornavam-se imunes a ela. Al-Razi (Abu Bakr Muhammad Ibn Zakariya al-Razi) fez a primeira descrição médica da varíola, em 910 d.C., intitulada De variolis et morbillis commentarius. Relatou que a transmissão se fazia de pessoa a pessoa e sua explicação do porquê as pessoas não desenvolvem a doença uma segunda vez foi a primeira teoria sobre imunidade adquirida.

Houve uma grande epidemia em Roma por volta de 180 d.C., matando entre 3,5 a 7 milhões de indivíduos; eram os primeiros anos do declínio do Império Romano. A disseminação da doença se deu com o avanço dos árabes, as Cruzadas e a descoberta do Novo Mundo. Foi a causa da queda dos impérios Asteca e Inca. Quando os espanhóis chegaram ao México, havia uma população de 25 milhões. Em 100 anos, havia menos de 2 milhões!

O Brasil foi o último país das Américas a eliminar a varíola. Em 1971, foram notificados 19 casos da doença, e apenas um caso em 1972. A partir daquela data, foi considerada erradicada nas Américas. Não se tem notícia de um único caso desde 1977, quando foi constatado o último na Somália (África). A varíola foi declarada erradicada do Mundo, pela OMS, em 1980.

A varíola foi a principal causa de morte nas aglomerações brasileiras, fossem elas vilas, vilarejos ou cidades. Na disseminação pelo interior, contaminou e matou muitos índios e escravos, além da população branca em geral. O mais antigo surto de varíola na cidade de São Paulo data dos primeiros anos da sua fundação. Uma terrível epidemia assolou São Paulo em dezembro de 1873, causando muitas mortes. Em consequência, foram construídos pavilhões de isolamento para varíola, na “antiga estrada do Araçá”, inaugurados em 1880, conhecido como o Hospital dos Variolosos. Em 1932 virou o Hospital de Isolamento Emílio Ribas, o atual Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na Avenida Dr. Arnaldo.

Os últimos estoques do vírus da varíola encontram-se abrigados em dois laboratórios de referência da OMS: o Centro de Controle e Prevenção de Doenças em Atlanta (Estados Unidos) e no Centro Estatal de Pesquisas de Virologia e Biotecnologia em Koltsovo (Rússia).

Desde sua erradicação, a Organização Mundial da Saúde, por meio das Assembléias Mundiais de Saúde, vem discutindo a possibilidade de destruição desses estoques do vírus. Até 2007, não se havia chegado a um consenso sobre isso. Há, inclusive, grupos que são formalmente contra a destruição do vírus variólico, pela simples razão de que é um ser vivo que sobreviveu desde os tempos mais remotos e não deve ser liquidado da face da Terra. Outros grupos alegam que os vírus remanescentes devem permanecer para futuras pesquisas médicas, principalmente no combate a outras doenças, como a AIDS, através de estudos de modificações genéticas.

Recentemente, tomou-se conhecimento de que o Laboratório Nacional Sandia, pertencente ao Departamento de Energia dos Estados Unidos, está fazendo experiências com genes da varíola, introduzindo-os em outros organismos para produzir proteínas codificadas, com finalidades não reveladas. O governo não fornece nenhuma informação a respeito, mas sabe-se que a missão da Sandia é focalizada no planejamento e teste de Armas de Destruição em Massa para as Forças Armadas dos Estados Unidos. O DNA da varíola não se originou dos estoques controlados pela OMS, mas de empresas especializadas em engenharia genética.

Nas discussões sobre varíola, nas Assembléias Mundiais de Saúde, sempre há grandes divergências, e os Estados Unidos são inflexíveis em relação à destruição dos vírus variólicos. A OMS, por falta de provas, considera infundadas as alegações americanas de que há outros países que possuem o vírus. No entanto, os americanos afirmam que um cientista russo que passou para o lado deles confirmou que a Rússia desenvolve a varíola como uma arma biológica desde a década de 1980. Relatam, também, que a França mantém estoques com finalidade defensiva, em caso de um surto da doença. Inspetores das Nações Unidas observaram que prisioneiros iraquianos da Guerra do Golfo (1982) estavam imunizados contra a varíola, evidência de que o Iraque tinha o vírus à disposição. Os serviços de inteligência dos Estados Unidos e os russos mantêm que os norte-coreanos têm estoques para fins militares, embora estes sejam de qualidade mediana.

Enfim, são mais de 30 anos que não se tem notícia de um único caso de varíola natural em seres humanos. Todavia, relatam-se vários outros tipos de varíola, em macacos e outros animais.

Fica a dúvida se deve-se manter o vírus vivo em benefício da Humanidade ou destruí-lo para se evitar uma guerra biológica que poderia trazer uma desgraça incomensurável, provavelmente dizimando nações, que estão indefesas contra esse flagelo que se perpetuou durante milênios e há tão pouco pôde ser eliminado.

3 comentários:

  1. Manuel Marin19:16:00

    Walter, parabéns pelo texto da varíola e também pelo Blog. Abraço, Manuel Marin

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  2. De acordo com Prado A Almeida. As doenças através dos séculos. São Paulo: Anhambi S.A., 1961. pp. 55-56, Rhazes, apesar de sua descrição admirável, desconheceu o caráter contagioso da varíola. Foi "Avicena, escrevendo no século X, lhe assinalou formalmente a contagiosidade".

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  3. WALTER W HARRIS18:58:00

    MUnir MAssud - obrigado pela informação.

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