domingo, 29 de março de 2009

TRAGÉDIA NO MAR



NUNCA HAVIA OUVIDO FALAR DO ARANDORA STAR. Durante muitos anos fora tabu entre os britânicos comentar a seu respeito, principalmente pelos ítalo-escoceses, descendentes dos imigrantes que sucumbiram na tragédia que irei relatar.

Era plena Segunda Guerra Mundial. Nos anos que precederam a Guerra, havia muitos italianos nas Ilhas Britânicas, com uma importante concentração na Escócia. Essas famílias moravam ali desde o começo do século XX. Eram vendedores de sorvete ou tinham lanchonetes onde se vendia peixe e batata frita, uma iguaria que vem até nossos dias, conhecido como fish and chips. Muitos deles tinham filhos e outros parentes servindo nas Forças Armadas Britânicas.

Havia pouco que a Itália entrara no conflito. O primeiro-ministro Winston Churchill considerou que os imigrantes italianos ofereciam perigo à população britânica e achou necessário seu encarceramento. No começo de junho de 1940, todos os homens italianos não fardados, entre 18 e 70 anos de idade, foram presos pela polícia ou pelos militares, levados de suas casas ou de seu trabalho. Relatórios da Cruz Vermelha comprovam que foram maltratados pelas autoridades e mantidos em campos de internamento, em condições desumanas, sem alimentação apropriada, facilidades sanitárias ou assistência médica.

Os detentos não tinham quaisquer direitos e lhes foram negados até mesmo aqueles básicos permitidos a prisioneiros pela Convenção de Genebra. Tiveram seus pertences roubados. Os parentes não foram informados do que acontecera a seus maridos, irmãos ou pais. Quando foram mandados para o além-mar, ninguém foi notificado. As famílias deles que residiam em áreas costeiras, foram obrigadas a mudar para cidades do interior, sem nenhum apoio governamental. Eram mulheres e crianças sem casa e sem qualquer assistência.

Decidiu-se mandar um grupo de cativos para o Canadá e a Austrália a bordo de um navio de nome Arandora Star. Este saiu de Liverpool levando 1570 italianos, alemães e judeus. A embarcação fora pintada de cinza, parecendo um navio de transporte de tropas. Não levava nenhuma cruz vermelha ou qualquer outro meio de identificação e não tinha nenhum comboio de suporte. O número de barcos salva-vidas era suficiente para atender a apenas 500 passageiros e havia uma superlotação a bordo. Oitenta por cento da tripulação fora engajada na manhã do embarque e não houve nenhum treinamento para emergências nem para a tripulação, nem para soldados ou prisioneiros.

Na manhã de 2 de julho de 1940, próximo à costa da Irlanda, o Arandora Star foi torpedeado pelos alemães e afundou, com a perda de quase 700 vidas, das quais 446 eram de imigrantes italianos que haviam feito do Reino Unido sua residência permanente. Muitos dos italianos dormiam no chão do salão de bailes do navio quando o torpedo atingiu a embarcação e foram gravemente feridos por estilhaços dos grandes espelhos lá existentes.

Os sobreviventes do Arandora Star foram mais uma vez maltratados pelos britânicos quando chegaram a terra firme e, apesar de tudo pelo qual tinham passado, foram colocados em outros navios e transportados para campos de internamento na Austrália.

O governo britânico jamais se desculpou pelo ocorrido às vítimas do Arandora Star. O governo americano, que teve vários campos para japoneses durante a Guerra, mais tarde pediu desculpas e providenciou compensação para eles e suas famílias. Entretanto, esses detidos não chegaram a sofrer as mesmas atrocidades dos italianos.

Anualmente são celebradas missas na Itália e nas comunidades italianas do Reino Unido, em memória dos que pereceram, para que nunca se esqueça os sofrimentos pelos quais as vítimas passaram.

Recentemente, o primeiro-ministro escocês e um arcebispo de origem italiana anunciaram que um memorial será erguido em Glasgow, próximo à Catedral de St. Andrews, para lembrar essa “tragédia esquecida” e consideraram-no um “símbolo adequado” da amizade existente entre a Escócia e a Itália. Contudo, muitos não concordam com isso: gostariam de ouvir desculpas oficiais do governo britânico e ver as famílias compensadas pela perda de seus entes queridos.

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