Quanta saudade me traz ao escrever estas linhas. Retorno à minha infância e aos muitos sonhos daquela época, alguns que se realizaram, outros que “nem por sonho” aconteceram. Naqueles tempos, ainda começava a era da televisão, um aparelho caro que poucos tinham possibilidade de adquirir. Em conseqüência, as crianças ficavam no quintal ou na rua e, fundamentalmente, brincavam com outros coleguinhas da vizinhança. Era, sem dúvida, uma vida salutar ao ar livre, com muitos jogos e entretenimento.
Tudo isso é muito diferente dos dias atuais, quando os meninos ficam isolados no computador ou, então, assistindo televisão. Para tirá-los de diante dessas telas, os pais têm que recorrer a muitas artimanhas, conscientes do fato de que a vida ao ar livre, mesmo com a poluição existente nas grandes cidades, é mais saudável para os filhos.
Havia árvores frondosas na rua onde morávamos, seguramente plantadas ali por ocasião do planejamento do bairro. Troncos enormes, suas copas eram espraiadas e os ramos cresciam desordenadamente, entrelaçando-se nos fios elétricos que percorriam a rua para servir as casas. Rotineiramente, funcionários da Light & Power vinham cortar os galhos que comprometiam a fiação e estes ficavam até uma semana jogados na calçada, aguardando para serem recolhidos pela Prefeitura.
Para nós, crianças, esses pedaços de árvore eram peças importantes para montarmos, lá mesmo na calçada, as nossas cabanas. Fazíamos como visto em filmes, primeiramente a estrutura com os galhos mais fortes e depois cobrindo o telhado e as laterais com galhos menores que tinham bastante folhas, de tal sorte que mal se via o interior da cabana pelo lado de fora.
Quando havia bastante gente, formavam-se grupos rivais, para ver quem fazia a cabana maior e mais resistente. Os líderes das turmas eram sempre os meninos mais fortes e mais velhos. Lembro-me bem de uma briga que tivemos, devido à derrubada de uma cabana, apenas para provar que aquela era a mais fraca. Ficamos dias sem conversar uns com os outros.
Eram tempos gostosos. Passávamos horas nas cabanas, brincando, conversando, trocando idéias. Quando éramos chamados para almoçar ou jantar, ou porque estava na hora de ir para a escola, resistíamos até o último momento. Freqüentemente, fingíamos que não estávamos ouvindo nossas mães e os safanões eram merecidos quando acabávamos aparecendo.
Entre os diversos tópicos abordados em nossas conversas pueris dentro da cabana estava o plano de se construir uma casa numa árvore. Eu até sabia qual seria a adequada, visto que não poderia ser uma das árvores centenárias da rua. O fundo do nosso quintal era bem grande, com muitas pitangueiras, jabuticabeiras, ameixeiras e goiabeiras. Minha mãe tinha vários canteiros preparados, alguns com flores e alguns com hortaliças e outros vegetais. Porém, bem no meio desse vasto quintal havia um enorme abacateiro. Para nós era de proporções imensas, sendo necessário três meninos para abraçar seu tronco. Foi a primeira vez que ouvi dizer que abacateiros só cresciam nessa proporção quando eram plantados a partir do caroço e não enxertados.
Foi essa árvore que ofereci aos meus coleguinhas para a gente construir nossa casa. Fruto da fértil imaginação infantil e de tê-la visto em revistinhas em quadrinhos e em filmes no cinema, começamos a planejar como seria.
Precisava ter dois aposentos: um para os meninos e outro para as garotas. Não teria a mínima graça ficar lá em cima sem a presença delas. Nossa inocência ainda não permitia planejar nada além de sua singela companhia. O acesso entre os quartos não poderia ser por dentro; queríamos ter uma liberdade que não fosse interrompida pelo sexo oposto. Portanto, haveria entradas separadas e, para tal, seria necessária uma pequena varanda unindo as duas. O acesso seria por uma escada feita de degraus de cabo de vassoura, amarrados um a um por uma corda contínua. Quando lá em cima, a escada podia ser recolhida e ninguém iria nos tirar da nossa casa na árvore. Passamos vários dias desenhando a planta em folhas de papel arrancadas de um velho caderno.
Qual não foi nossa frustração quando tivemos de interromper nossos devaneios porque, de um dia para o outro, a Prefeitura passou e recolheu todo os ramos e galhos cortados. Destruíram nossas cabanas e também levaram nossos planos no papel que havíamos deixado na cabana na noite anterior.
Esperamos ansiosamente pela próxima poda para reiniciar nosso sonho de uma casa na árvore. Já não eram os mesmo companheiros. Alguns estavam mais velhos e não queriam mais saber de nós; outros eram novatos que não entendiam de que estávamos falando. A frustração foi grande para aqueles que haviam participado do planejamento de quase um ano antes. Tentamos fazer nova planta da casa, mas não ficou tão boa quanto aquela que a Prefeitura nos “roubou”.
Enfim, chegamos a uma arte final, assim por dizer, que eu teria de apresentar ao meu pai para aprovação e para ele construir. Pois, é claro que nós, os pequenos, não teríamos condições de realizar essa empreitada. Tremendo por dentro, com os papéis na mão, lá fui eu, sozinho, mostrar os desenhos para ele. Tenho que dizer que ele encarou tudo com muita seriedade, feliz em saber que estávamos colocando nossas cabecinhas para trabalhar num objetivo tão diferente e estimulante.
Após olhar os papéis, com nossos rabiscos irregulares, ele retirou o cachimbo da boca, deu uma batidinha com o mesmo no cinzeiro sobre a mesa e me disse:
— Parabéns, filho, pelo que tem aqui. É uma obra gigantesca que eu não poderia fazer. Também, não há nenhuma árvore aqui por perto em que poderíamos colocar sua casinha.Ao contar-lhe que queria usar o abacateiro do jardim, ele olhou espantado para mim:
— Isso seria impossível. Você não sabia que os galhos do abacateiro são pouco resistentes e quebram com facilidade?
E foi assim que esse sonho não se realizou...
Walter,
ResponderExcluirSomos da mesma época, portanto nossa infância foi muito parecida.
Impressionante!
Também tivemos nossa "casa na árvore" no quintal lá de casa.
Quando você falou do abacateiro eu já sabia que não daria certo! (experiência infantil)
Fizemos a casa em cima de um pé de manga. Mais poderoso e com muitas opções devido à irregularidade de seus galhos. De vez em quando alguém caía. Até cachorrinho já despencou lá de cima.
Analisando psicologicamente vocês estavam mais avançados que nossa turma.
Pra nós o lema "meninas não entram" funcionava.
Eu era o chefe do bando,acredita? Acho que tinha até escravo... Explicando: escravos seriam os mais novos com 6 ... 7 anos de idade.
Nossa turma aprendeu fazer flechas e espadas de madeiras para lutar com "turmas" adversárias. (Será que foi aí que começei a gostar de serrote e martelo?)
Vivemos um tempo bem vivido, não é verdade?
Eta sôdade! Valeu!
PS.: Não precisa corrigir a redação! É duro escrever para intelectual!
Se pensar muito perco o embalo.
Walter,
ResponderExcluirTenho lido seus trabalhos. Voce é como vinho, quanto mais velho melhor! Sua fertilidade mental é incrível; o que dizer de sua sensibilidade? É maravilhosa. Voce consegue prender a atenção de pessoas de culturas diferentes, de idades diferente, de status social diferente.
Sinto me muito a vontade para dizer que o considero um grande escritor e porque não dizer um Mestre para mim.
Seus trabalhos me levam para a frente, me animam, me dão coragem de persistir escrevendo.
Parabens meu querido amigo e companheiro de tantos anos, na literatura. Obrigada e grande abraços.