sábado, 4 de outubro de 2008

A VIDA POR UM FIO


Aprendi, logo nos primeiros anos de Medicina, que estava lidando com a mais delicada das estruturas da natureza: A Vida. Posteriormente, mais amadurecido, soube reconhecer sua excelência não apenas no Ser Humano, como em todas as espécies do Reino Animal.
Pode parecer uma simples bobagem, mas todos que têm um sopro de vida em si, estão sempre presos a ela por um fio. Here today, gone tomorrow, ou seja, 'hoje estamos aqui, amanhã, não mais', é um provérbio filosófico profundo e a pura verdade. Os animais irracionais instintivamente sabem disso e se protegem. Não são tão atirados quanto o Homem.
O Homem meteu-se em encrencas desde os primórdios da história da humanidade e a morte violenta era aceita como natural. Infelizmente, depois de tantos anos de existência, o mundo ainda não aprendeu e a violência persiste, seguida da extinção da vida, que nada vale, como o apagar de uma vela.
Uma contradição, se analisarmos o valor dado por outras espécies animais à vida. Nem precisamos pensar nos mamíferos, cuja reação observamos constantemente. Mas, destrua um ninho de formigas ou cupins e veja como aqueles insetos reagem, na tentativa de proteger e salvar seus ovos e larvas, os embriões de uma nova vida.
Aqui, recém-nascidos são jogados no lixo para morrerem e mães desnaturadas contam que assim fizeram, porque não podiam cuidar dos mesmos! Meu Deus, onde está o instinto animal materno? Perdêmo-lo ao longo da evolução? Que evolução!?
Creio que divago, pois queria apenas demonstrar como a vida está sempre por um fio. Claro, basta estar vivo para morrer, mas não devemos facilitar as coisas, porque aquele esqueleto sorridente, vestido de preto, com a foice erguida, está eternamente pronto para descê-la em nossos pescoços, a nos ceifar.
Dois episódios me chocaram muito no início de minha carreira e que passo a relatar.
Num belo domingo de sol, um pai de família estava na cadeira de plástico à beira da piscina de sua residência, lendo o jornal, como sempre fazia. Em dado momento, sentiu que algo estranho pairava no ar. Não sabia o quê. A leitura do jornal o incomodava e pôs o matutino de lado. Olhou ao redor e pensou consigo mesmo: O que acontece? Subitamente, deu-se conta que reinava silêncio em toda sua volta. Não ouvia os costumeiros gritos de exultação de seu filho de quase cinco anos, enquanto jogava bola no gramado que beirava a piscina. Aquele pai ergueu-se, com premonição em seu coração e correu para a piscina. Ali boiava, inerte, o corpo de seu filho. Quanto tempo estava lá?
Esses detalhes, contou-me aos soluços, quando tive de lhe dizer que trouxera seu filho ao Pronto Socorro tarde demais para qualquer tentativa de reanimação. Se não estivesse tão absorto lendo o jornal, se tivesse optado em brincar com o filho, se a esposa não tivesse ido à igreja, se...
Algumas semanas depois, deu entrada no mesmo Pronto Socorro, uma criança de menos de um ano, com queimaduras de segundo grau em quase cem por cento do corpo. Não havia esperanças de salvá-la, embora foram tomadas todas as medidas necessárias. Faleceu no mesmo dia, no Hospital das Clínicas. Indaguei da mãe o que ocorrera. A mãe explicou: havia limpado o chão da cozinha e achando que precisava de um brilho, passou cera naquele piso. Enquanto terminava, seu bebê, que só engatinhava, entrou no recinto e ficou brincando com um bicho de pelúcia que recebera de presente. Ela teve de se ausentar por breves instantes, para atender o telefone. Cruzou pelo seu outro filho, de três anos, que se dirigia para a cozinha. Antes mesmo de atender o telefone, ouviu um chiado semelhante a água sob grande pressão e depois um cheiro de coisa queimada. Correu de volta e encontrou o filho ainda com uma caixa de fósforos na mão e o bebê prostrado no chão, todo queimado. As roupas estavam chamuscadas e grudadas ao seu corpo.
Era óbvio o que acontecera. Os vapores da cera explodiram quando o menino acendeu um fósforo. Se ela não tivesse decidido encerar a cozinha, se o bebê não tivesse entrado lá, se não tivesse tocado o telefone, se...
São experiências que marcam a nossa vida profissional; algumas tristes, catastróficas como estas, outras felizes, de sucesso, de cura. Mas jamais devemos nos olvidar de que A Vida está sempre por um fio!

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