domingo, 7 de setembro de 2008

SOLDADO RASO


Quando uma pessoa usa uniforme, seja na vida civil ou militar, pressupõe-se que a mesma esteja representando a entidade à qual está vinculada a veste. É inconcebível que seja de qualquer outra forma. Recentemente, chocou a opinião pública o fato de policiais militares fardados terem sido flagrados arrombando automóveis para roubar rádios e toca-CDs.
Em duas ocasiões diferentes, pude constatar como o homem não é devidamente preparado para vestir uma farda. Tratando-se de civis, travestidos de soldados, servindo compulsoriamente o Exército Brasileiro, e recém-saídos do berço paterno, talvez tivesse sido por falta de amadurecimento, uma vez que a disciplina militar rigorosa, bastante diversa daquela que se traz de casa, leva tempo para ser assimilada.
Há muitos anos, aguardava numa fila, no centro da cidade, para pegar o ônibus que me levaria para casa. A espera era grande, a fila comprida, o dia muito quente. Era costume — não sei se hoje ainda é assim — formar uma segunda fila, no ponto inicial, para quem fosse viajar em pé. Naquela, já havia pelo menos umas vinte pessoas. Quando o ônibus chegou, empoeirado e sujo, as filas pareciam encolher, pois as pessoas se aproximavam mais uma das outras para entrar no veículo. Subiu o número certo de pessoas que iriam sentadas e eu sobrei, optando por aguardar, e a segunda fila começou a andar. Em dado momento, um soldado de verde-oliva deu um empurrão no homem à sua frente e disse:
— Saia, que sou soldado!
No mesmo instante, quando ele já havia colocado o pé no primeiro degrau do ônibus, um velhinho segurou-lhe pelo ombro e falou:
— Nada disso! Eu sou general!
Imediatamente, o militar desceu, se esgueirou e bateu continência.
O velhinho subiu e, da porta, dirigiu-se ao soldado:
— General da banda!!!
Todos que presenciaram a cena caíram na gargalhada. O soldado corou, virou-se e, um tanto acabrunhado, foi-se embora. Este certamente aprendeu a lição da forma mais dura: pela desmoralização.
Nos primeiros anos depois de formado, dava plantão de 24 horas num Pronto Socorro Municipal. Certa noite, com a sala de espera cheia de pacientes e acompanhantes, um soldado fardado, que acompanhava sua mulher grávida, começou a bradar que a esposa dele tinha que passar na frente dos outros pacientes, porque ele era militar. Na qualidade de chefe do plantão, fui conversar com ele. A paciente estava muito bem e iria apenas passar em consulta de rotina com a ginecologista, conforme havia sido recomendado numa consulta prévia. Tentei explicar-lhe que teria de aguardar sua vez, mas o rapaz não quis nem me ouvir. Aos berros, disse:
— Como ousa discutir comigo. Quero minha mulher lá dentro neste instante ou então vou mandar te prender!
Não tive opção, senão me afastar do soldado colérico. Procurei um colega do plantão, mais velho e experiente e contei-lhe o que ocorrera. O que eu não sabia é que ele havia cumprido seu tempo no Exército como médico e estava na Reserva.
— Deixa comigo — garantiu, tranqüilizando-me.
Foi até a Recepção do P.S. e fez um telefonema. Depois, foi até a sala de espera à procura do cidadão uniformizado.
— Soldado! — disse, em tom autoritário — qual é o problema aqui?
Este não se intimidou e vociferou:
— Não admito que minha mulher espere mais para ser atendida! Ou atende agora ou vai todo mundo preso!
O médico olhou demoradamente para o soldado, e pude até observar uma certa pena que sentia no que iria fazer a seguir. Tirou do bolso sua identificação de Oficial do Exército, mostrou para o soldado e declarou:
— Soldado, você é uma vergonha para nosso Exército. Você me acompanhe, pois está preso por abuso de autoridade. Ficará trancado num dos consultórios e vai aguardar a chegada da Polícia do Exército, que já mandei chamar.
O rapaz emudeceu, bem como todos os presentes, que viram-no acompanhar o médico até a sala referida. Um grito trouxe todos de volta à realidade. A esposa do infeliz desatou a chorar e quase desmaiou. Foi necessário levá-la à sala de medicação para ser examinada.
Apesar da atitude tomada por nós, a vontade do soldado raso tornou-se realidade: sua mulher conseguiu passar na frente dos outros para ser atendida!...

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