domingo, 24 de agosto de 2008

O CACHORRO E O MENDIGO

De longe, ouvi quando ele foi chamado pelo seu dono.
— Venha, Piolho, venha.
O mendigo estava de cócoras e estalava os dedos na direção do cachorrinho, oferecendo-lhe um pedaço mal-encarado de um pãozinho, que propunha dividir com seu companheiro.
Descrever aquele espécime de animal talvez fosse difícil, visto que não era muito diferente dos outros cães que costumam acompanhar os mendigos. Era um macho de porte mediano, de pêlo liso amarelo-escuro. O que chamava atenção era uma mancha preta em volta de um dos olhos, como se usasse um tapa-olho.
Piolho atendeu imediatamente o dono, abanando o rabo, dando um latido rouco e correndo em disparada até ele. Enquanto o cãozinho saboreava o “delicioso” pão, o mendigo sorria e acariciava-o.
Junto a eles, estava uma carrocinha de um só eixo, com duas rodas de automóvel de diferentes tamanhos e pneus bem carecas e, vista por trás, pendia para o lado da roda menor. Estacionada, a parte da frente ficava erguida, com uma travessa de madeira que servia para o mendigo puxar o carrinho. Dentro dele, havia uma montoeira de objetos, desde papelão, sacos com garrafas “pet” e uma roda de bicicleta, até vários ferros retorcidos e um sem número de jornais e revistas.
Era fim de tarde, o Sol já estava se pondo e os transeuntes passavam apressadamente, ignorando completamente os dois, na sua pressa e preocupação em chegar, o mais breve possível, ao aconchego do lar. O mendigo também não demonstrava nenhum interesse pelos cidadãos, assim como não pedia esmolas. Piolho, por vezes, se afastava para cheirar os calcanhares de alguma pessoa, porém logo desistia e voltava para junto da carrocinha. Como o mendigo estava sentado à beira da calçada, no meio-fio, o cachorrinho se esgueirava e lhe dava lambidas no rosto. Ele sorria, mesmo que fosse um sorriso um tanto triste, tentando afastá-lo dele e passando a manga suja da camisa nas cansadas fácies, para enxugar a saliva do cão.
Escarafunchou um saco de papel todo amassado, enquanto o cachorro o rodeava, mais uma vez abanando a cauda. Achou o que estava procurando: outro pãozinho. Parecia que o cão tinha mais fome que ele, pelos pulos que dava e seus latidos. Repetindo seu gesto anterior, o mendigo dividiu a refeição com Piolho. Lentamente, levantou-se e foi buscar na carrocinha uma garrafa “pet” com água. Bebeu um pouco do gargalo e depois despejou o resto numa pequena tigela metálica. A água foi prontamente aceita pelo animalzinho.
Não havia pressa, pois não iam a lugar algum. O mendigo já estava se preparando para a noite que chegava. Tirou da carrocinha vários trapos que colocou no chão ao lado da mesma e, por cima destes, dois ou três cobertores velhos, rasgados e sujos. O Sol já havia descido no horizonte. A escuridão tomava conta do pedaço, pois não havia iluminação de rua no local onde estava estacionada a carrocinha. O mendigo deitou-se, cobrindo-se com as mantas. Nem precisou chamar pelo fiel companheiro. Este se acomodou a seu lado, deu um gostoso bocejo, se ajeitou, encostando-se no homem, colocou a cabeça sobre as patas dianteiras e fechou os olhos. Por algum tempo, o mendigo permaneceu de olhos abertos. Parecia devanear. O que será que passava pelos seus pensamentos? A sua infância? Seus sonhos inalcançáveis? Uma família perdida? Aos poucos, o sono foi chegando, os olhos cerrando. Houve um último momento no qual se posicionou melhor naquele chão duro, e dormiu.
No despertar, bateu-lhe forte uma saudade no peito. Restava apenas uma velha coleira ainda com alguns pêlos grudados e um pão amanhecido que não tinha com quem dividir...

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