Colaborador: Geovah Paulo da Cruz, médico oftalmologista, biólogo, escritor e culinarista
Não importa onde, descobriu-se que a farinha de trigo tinha alguma coisa que mantinha a massa bem ligada, sem se desmanchar. Era o glúten, formado por proteínas vegetais albuminóides muito viscosas que ligavam as moléculas de amido. Sem fermento, amassada com água, sovada e laminada, formava uma folha bastante resistente. Tão resistente que podia formar um lençol quase transparente sem se romper. Obtida a lâmina de massa, esta podia ser cortada em vários formatos. O mais comum era cortá-la em tiras compridas, de largura variada. Depois estas tiras eram postas a secar em um varal, sofrendo grau variado de desidratação, desde massas tenras, ditas frescas, até totalmente secas. Estas tiras, postas a cozinhar em água quente, mantinham-se coesas, sem se desmanchar. Se à massa fossem acrescentados ovos, muito ricos em albumina, melhorava-se a coesão, a coloração, o sabor e a nutrição. É o macarrão, que recebe a denominação genérica de pasta, em italiano, e massa, em português.
O macarrão era comido de dois modos. O mais comum era também aproveitar a água quente do cozimento, o caldo. O macarrão in brodo, comido como sopa, confortava o estômago. Inventaram de colocar outras coisas no cozimento, e estava inventada a minestra, uma sopa mais rica, sobretudo em legumes e alguma carne. Daí surgiu também o minestrone, ou sopão, mais no sentido de riqueza e variedade. Porém o macarrão cuja água se desprezava, escorrida, se comia seco, ou seja, asciutto. Então, todo macarrão assim preparado passou a se chamar genericamente pasta asciutta.
Os macarrões laminares em forma de fita longa receberam denominações de acordo com sua largura. São o tagliarine, fita estreita, e o tagliatelle, fita larga. Em Roma, o macarrão de largura média recebeu o nome particular de fetuccine. Existe ainda o cabelo de anjo (fidelini), muito fino, que se come como os demais, mas que preferentemente se come cozido em leite e açúcar, formando um doce chamado alletria. Em Minas Gerais este doce é indispensável nas festas rurais. O sabor melhora muito se for colocada raspa de casca de limão, para quebrar o excesso de doçura. Outras formas de macarrão laminar recebem denominações variadas conforme o aspecto: farfale (borboleta), conchiglia (concha), cravate (gravata), rondele (enrolado). Alguém teve a idéia de fazer envelopes ou saquinhos de massa com enchimentos diversos, e formatos diversos. Daí, surgiram os capeletti (chapeuzinhos), risolis, e outros. Como os demais, estes tanto podiam ser comidos in brodo, como asciutti. Finalmente a massa posta em camadas, intercaladas com molho e/ou carne resultaram na lasagna, ou enroladas e recheadas no canellone.
Para fazer a lâmina inventou-se um cilindro rotatório, o famoso pau de macarrão. Este cilindro foi o único instrumento durante séculos, até que a revolução industrial vulgarizou a siderurgia e começou-se a fabricar cilindros de ferro agrupados em uma máquina laminadora, movida a braço ou a motor. A partir daí surgiram os macarrões artesanais e os industriais. Mais tarde inventaram a máquina de extrudar. A extrusora empurrava a massa para fora através de orifícios, produzindo fios, cordões cilíndricos maciços ou tubulares. Estava inventado o macarrão redondo. Os extrudados cilíndricos compridos, ocos ou maciços, chamam-se spagheti, e recebem numeração de acordo com seu calibre. É o clássico macarrão brasileiro. Já os curtos e ocos podem ter a forma de uma pena antiga de escrever, o penne, ou formato de parafuso como o fusile. Podem ser lisos ou estriados por fora, isto é, riscados, ranhurados. São os rigatti, como o penne rigatte, o rigatone. Esta conformação tem a finalidade de aumentar a superfície de contacto com os molhos, para segurá-los melhor por aderência.
Cozido o macarrão, se comia puro. Depois inventaram de regá-lo com azeite. A seguir, com azeite temperado com sal e ervas. Em locais onde havia peixe, com pasta azeitada, de sardinha, aliche, anchova. Com a descoberta da América o tomate chegou à Europa. Era tão nobre, que na Itália recebeu o nome de pomo d’oro, isto é, maçã de ouro. O tomate é um fruto muito frágil, de curta duração. Tiveram a idéia de cozinhá-lo, formando um creme que podia ser guardado por longo tempo. Este creme foi posto sobre o macarrão cozido, acrescido dos mais variados temperos e aditivos. Dentre estes, o mais usual é o queijo parmesão curado e ralado. Estava inventada a macarronada. Comendo macarrão desde a mais tenra idade ficava-se condicionado ao modo familiar de fazê-lo, cozinhá-lo e temperá-lo: daí surgiu o famoso macarrão da mamma, e não raro o da nonna. Imbatível, mesmo que ruim. Um primo meu só gostava de bolo queimado, porque sua mãe nunca conseguiu fazer um bolo correto.
Na Itália se usa o grão do tipo duro, cuja massa não se desmancha no cozimento e que chegou aqui recentemente, depois da abertura das importações. No Brasil, historicamente, este grão não existiu. Nosso espaguete de grão mole fica gosmento por fora e mais duro no interior. Na macarronada italiana eles cozinham o molho de tomate por horas e horas, até eliminar toda a acidez, embora o tomate deles seja por natureza mais doce do que o nosso. Eles não admitem que se possa gostar de outro tipo de massa.
Já a nossa macarronada caipira, provinciana, sempre foi feita com macarrão furado, grosso e mole, molho ácido, com cobertura de queijo mineiro ralado, de meia cura ou curado, que também é azedo. Me permito discordar veementemente deles, a nossa também é uma delícia. Tem sabor mais forte, o azedo se mistura com o creme que se forma em torno do cordão, o paladar se excita, fica mais perfumado e como o tomate é menos cozido, mantém a cor vermelha mais rutilante, não fica escuro amarronzado. Nós, brasileiros, já somos bem crescidinhos, temos quinhentos anos de culinária nacional e não estamos sujeitos à ditadura dos gostos e regras de culinária eurocêntricas. Vamos comer os dois macarrões com o mesmo apetite.
E tem mais: macarrão bom é macarrão de pobre, isto é, macarrão escuro, feito com farinha de segunda, cujo trigo foi mal descascado. Tem mais fibras, resta alguma proteína do embrião, as vitaminas não foram todas jogadas fora para se fazer comida de vaca, o farelo de trigo. Indo ao interior, sempre compro macarrão de bote, o mais barato que existe; vem embalado num cartucho de papel grosseiro, em geral azul, e com logotipos e rotulagem antigas. Não tem nada mais saboroso, rústico, gastronômico, nutritivo e, sobretudo emocional: me lembra a macarronada do ajantarado lá de nossa casa, com frango caipira ou pernil de porco. Comer exige alma.
Existe ainda o macarrão nero, negro ou pardo, feito com farinha integral, comida dos naturebas e vegetarianos. É muito nutritivo e saboroso. Dê para suas crianças.
Há poucos dias morreu o inventor do miojo, o macarrão pré-cozido. Miojo também é bom. É prático, barato, saboroso. A criançada adora. Miojo cozido al dente, em muita água e sem os temperos, escorrido como o macarrão comum, pode receber todas as honrarias que se dá a um espaguete clássico, com molhos refinados e carnes.
O macarrão era comido de dois modos. O mais comum era também aproveitar a água quente do cozimento, o caldo. O macarrão in brodo, comido como sopa, confortava o estômago. Inventaram de colocar outras coisas no cozimento, e estava inventada a minestra, uma sopa mais rica, sobretudo em legumes e alguma carne. Daí surgiu também o minestrone, ou sopão, mais no sentido de riqueza e variedade. Porém o macarrão cuja água se desprezava, escorrida, se comia seco, ou seja, asciutto. Então, todo macarrão assim preparado passou a se chamar genericamente pasta asciutta.
Os macarrões laminares em forma de fita longa receberam denominações de acordo com sua largura. São o tagliarine, fita estreita, e o tagliatelle, fita larga. Em Roma, o macarrão de largura média recebeu o nome particular de fetuccine. Existe ainda o cabelo de anjo (fidelini), muito fino, que se come como os demais, mas que preferentemente se come cozido em leite e açúcar, formando um doce chamado alletria. Em Minas Gerais este doce é indispensável nas festas rurais. O sabor melhora muito se for colocada raspa de casca de limão, para quebrar o excesso de doçura. Outras formas de macarrão laminar recebem denominações variadas conforme o aspecto: farfale (borboleta), conchiglia (concha), cravate (gravata), rondele (enrolado). Alguém teve a idéia de fazer envelopes ou saquinhos de massa com enchimentos diversos, e formatos diversos. Daí, surgiram os capeletti (chapeuzinhos), risolis, e outros. Como os demais, estes tanto podiam ser comidos in brodo, como asciutti. Finalmente a massa posta em camadas, intercaladas com molho e/ou carne resultaram na lasagna, ou enroladas e recheadas no canellone.
Para fazer a lâmina inventou-se um cilindro rotatório, o famoso pau de macarrão. Este cilindro foi o único instrumento durante séculos, até que a revolução industrial vulgarizou a siderurgia e começou-se a fabricar cilindros de ferro agrupados em uma máquina laminadora, movida a braço ou a motor. A partir daí surgiram os macarrões artesanais e os industriais. Mais tarde inventaram a máquina de extrudar. A extrusora empurrava a massa para fora através de orifícios, produzindo fios, cordões cilíndricos maciços ou tubulares. Estava inventado o macarrão redondo. Os extrudados cilíndricos compridos, ocos ou maciços, chamam-se spagheti, e recebem numeração de acordo com seu calibre. É o clássico macarrão brasileiro. Já os curtos e ocos podem ter a forma de uma pena antiga de escrever, o penne, ou formato de parafuso como o fusile. Podem ser lisos ou estriados por fora, isto é, riscados, ranhurados. São os rigatti, como o penne rigatte, o rigatone. Esta conformação tem a finalidade de aumentar a superfície de contacto com os molhos, para segurá-los melhor por aderência.
Cozido o macarrão, se comia puro. Depois inventaram de regá-lo com azeite. A seguir, com azeite temperado com sal e ervas. Em locais onde havia peixe, com pasta azeitada, de sardinha, aliche, anchova. Com a descoberta da América o tomate chegou à Europa. Era tão nobre, que na Itália recebeu o nome de pomo d’oro, isto é, maçã de ouro. O tomate é um fruto muito frágil, de curta duração. Tiveram a idéia de cozinhá-lo, formando um creme que podia ser guardado por longo tempo. Este creme foi posto sobre o macarrão cozido, acrescido dos mais variados temperos e aditivos. Dentre estes, o mais usual é o queijo parmesão curado e ralado. Estava inventada a macarronada. Comendo macarrão desde a mais tenra idade ficava-se condicionado ao modo familiar de fazê-lo, cozinhá-lo e temperá-lo: daí surgiu o famoso macarrão da mamma, e não raro o da nonna. Imbatível, mesmo que ruim. Um primo meu só gostava de bolo queimado, porque sua mãe nunca conseguiu fazer um bolo correto.
Na Itália se usa o grão do tipo duro, cuja massa não se desmancha no cozimento e que chegou aqui recentemente, depois da abertura das importações. No Brasil, historicamente, este grão não existiu. Nosso espaguete de grão mole fica gosmento por fora e mais duro no interior. Na macarronada italiana eles cozinham o molho de tomate por horas e horas, até eliminar toda a acidez, embora o tomate deles seja por natureza mais doce do que o nosso. Eles não admitem que se possa gostar de outro tipo de massa.
Já a nossa macarronada caipira, provinciana, sempre foi feita com macarrão furado, grosso e mole, molho ácido, com cobertura de queijo mineiro ralado, de meia cura ou curado, que também é azedo. Me permito discordar veementemente deles, a nossa também é uma delícia. Tem sabor mais forte, o azedo se mistura com o creme que se forma em torno do cordão, o paladar se excita, fica mais perfumado e como o tomate é menos cozido, mantém a cor vermelha mais rutilante, não fica escuro amarronzado. Nós, brasileiros, já somos bem crescidinhos, temos quinhentos anos de culinária nacional e não estamos sujeitos à ditadura dos gostos e regras de culinária eurocêntricas. Vamos comer os dois macarrões com o mesmo apetite.
E tem mais: macarrão bom é macarrão de pobre, isto é, macarrão escuro, feito com farinha de segunda, cujo trigo foi mal descascado. Tem mais fibras, resta alguma proteína do embrião, as vitaminas não foram todas jogadas fora para se fazer comida de vaca, o farelo de trigo. Indo ao interior, sempre compro macarrão de bote, o mais barato que existe; vem embalado num cartucho de papel grosseiro, em geral azul, e com logotipos e rotulagem antigas. Não tem nada mais saboroso, rústico, gastronômico, nutritivo e, sobretudo emocional: me lembra a macarronada do ajantarado lá de nossa casa, com frango caipira ou pernil de porco. Comer exige alma.
Existe ainda o macarrão nero, negro ou pardo, feito com farinha integral, comida dos naturebas e vegetarianos. É muito nutritivo e saboroso. Dê para suas crianças.
Há poucos dias morreu o inventor do miojo, o macarrão pré-cozido. Miojo também é bom. É prático, barato, saboroso. A criançada adora. Miojo cozido al dente, em muita água e sem os temperos, escorrido como o macarrão comum, pode receber todas as honrarias que se dá a um espaguete clássico, com molhos refinados e carnes.
Para terminar, eis aqui uma receita antiga, uma pastasciutta bem mineira, roceira, rústica, substanciosa. Primitivamente era feita com massa caseira, mas hoje ninguém tem paciência, gosto ou tempo para isto. Compre massa de lasanha fresca, pré-pronta. Ou faça um leve pré-cozimento em lâmina seca, até amolecer. Corte retângulos de mais ou menos 12 x 6 centímetros, como se fosse para fazer um pastel. Ponha o recheio dentro, dobre o envelope e feche, apertando com um garfo. O recheio se faz esmagando queijo mineiro fresco (frescal) ou de meia-cura mole com ovo cozido, sal, ervas e temperos secos a gosto. Cozinhe em água fervente. Retire e escorra. Irrigue com molho vermelho ou com caldo de frango ensopado. Coma com frango. Lamba os beiços.
Harris
ResponderExcluirgostei do seu blog.Estava de viagem e só hoje o acessei.Obrigado pela divulgação.Abraços Geovah