domingo, 29 de junho de 2008

A BICICLETA

Só quem não teve bicicleta quando moleque, não passou por algum episódio, alguma aventura ciclística. Não sou exceção.
Por volta dos 11 anos de idade, era o feliz proprietário de uma bicicleta aro 28, da marca B.S.A., que meu pai comprara de segunda mão de uma família inglesa que partia de volta para seu país de origem. A B.S.A. – Birmingham Small Arms – era uma empresa britânica fabricante de pequenos armamentos e aquele veículo de rodas sua arma mais potente (em minhas mãos).
Era freqüente pregar susto nos meus pais, quando telefonava da casa de amigos a uma distância razoável de onde morávamos. Apesar de ter ocorrido há mais de quarenta anos, a preocupação com a segurança de uma criança já era uma constante, tanto pelo trânsito, como pela sua integridade pessoal.
Certa feita, a bicicleta se encontrava sem freios e pára-lamas. Guinchava quando se pedalava, ou seja, eu era um primor com sua conservação. Ela estava muito bem cuidada em minhas hábeis mãos infantis! Meu pai exigiu que a levasse na bicicletaria para, pelo menos, arrumar os breques. Deu-me o dinheiro e lá fui eu, contente da vida, já calculando quanto sobraria de troco para comprar uns doces. Devolver o troco? Nem pensar!
Assim, distraidamente, fui atravessar uma rua que apresentava um declive acentuado. Tive de me desviar rapidamente de um carro que descia em alta velocidade, mas virei a bicicleta no sentido errado, ou seja, eis que me encontrava seguindo aquele automóvel a quase a mesma velocidade, ladeira abaixo.
Estava sem freios, numa descida violenta, ganhando aceleração a cada instante que passava. Parecia voar. Sabia que a rua de paralelepípedos terminava na outra esquina e a rua que a atravessava lá embaixo era muito movimentada. Sentar no pára-lama traseiro e me jogar da bicicleta, deixando-a seguir em frente, não dava, por que não havia pára-lama. Iria me ralar todo! Com aquela velocidade, saltar de lado também não era possível. Usar os pés na roda da frente para tentar frear nem passou por minha cabeça, embora não sei se teria dado certo, pela velocidade alcançada.
Que fazer! As duas mãos seguravam com firmeza o guidão, parecendo um bloco só, na tentativa de manter o equilíbrio contra o solavanco das pedras do chão. Desatei a gritar por socorro. “Socorro! Socorro!”. Na esquina de baixo havia uma lojinha onde se consertavam geladeiras. O dono saiu lá fora ao ouvir os gritos e viu aquele garoto descendo a ladeira à toda, trepidando sobre o calçamento de paralelepípedos, os óculos saltitando na cara, os pés afastados dos pedais, estes girando loucamente, sem controle. “O que pretende esse doido?” pensou, mas foi para o meio da rua parar os carros que porventura passassem naquele instante. Por sorte, não havia nenhum.
Cruzei a rua, tive milésimos de segundo para me esquivar de um poste, subi na calçada e me espatifei contra o muro de uma casa. Morri? Não, não morri, pois estou aqui contando minha história.
Aliás, nem desfaleci, pois a primeira coisa que veio a minha cabeça foi: “Meus óculos! Meus óculos!”. Os curiosos já se aglomeravam a minha volta, aquele menino de 11 anos que beijara a parede, sangrava pelo nariz e estava deitado em cima de um monte de ferro retorcido, clamando pelos seus óculos. Alguém os encontrou entre os aros da bicicleta, incólumes e me deu.
Com os mesmos no lugar, pude avaliar o estrago. O reboco do muro estava rachado. A roda da frente da bicicleta virara um oito, o pneu de trás estava furado e o quadro todo torto. Eu sangrava pelo nariz, cortara a mão e rasgara a camisa. Minutos depois, apareceu minha mãe (estávamos a poucos quarteirões de casa) que, muito assustada, me levou à farmácia mais próxima. Fizeram-me uns curativos.
Mais tarde fui levado ao otorrino para tratar o nariz quebrado. Da bicicleta, esta chegou na bicicletaria e acho que nunca mais saiu de lá.
Para quem quiser saber, morávamos na Rua Manoel da Nóbrega. Desviei-me do carro na esquina da Rua Otávio Nébias, desci a Rua Maria Figueiredo e atravessei a Rua Tutóia. O poste ainda se encontra lá. A casa agora é comercial e o muro foi retirado para aumentar o local de estacionamento de automóveis...

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