domingo, 23 de março de 2008

O PIPOQUEIRO

Sebastião tinha vindo do Nordeste para ganhar a vida em São Paulo. Acho que viera de João Pessoa, mas não tenho certeza. Teve vários empregos, porém nada parecia dar certo. Também, pudera, não tinha qualificação nenhuma. Foi, então, pedreiro, entregador, engraxate, e até passeador de cachorro de madame. Enfim, firmou-se como pipoqueiro.
Até hoje não sei onde arrumou seu carrinho de pipocas, mas um dia se aboletou na calçada ao lado da entrada do hospital e, daí por diante, era figura obrigatória da paisagem. Não havia quem não o conhecesse, desde funcionários e médicos, e até os próprios pacientes. Era risonho, fazia amizade fácil. Todos gostavam dele. À noite, deixava o carrinho dentro da sala dos seguranças do hospital. Pela manhã, lá vinha ele com sua pipoca, pegava o carrinho e se preparava para o dia.
Sebastião tinha apenas um grave defeito. Bebia. Mas bebia com gosto. Era daqueles etilistas que não caem na melancolia, mas ficam mais alegres e comunicativos. Era mais fácil encontrá-lo vendendo pipoca bêbado do que sóbrio. Freqüentemente entrava no Pronto Socorro do hospital, carregando vários pacotes de pipoca, para distribuir entre médicos e funcionários. Às vezes, até os pacientes ganhavam um pacote! Largava o carrinho de pipocas lá na rua para isso, ou mesmo para suas visitas periódicas ao toalete. Numa destas ocasiões, o carrinho foi roubado. Entrou em depressão. Vagueava pela rua como se tivesse perdido um ente querido. Aliás, nunca soubemos nem onde morava, nem se tinha família. Os diretores do hospital compraram outro carrinho de pipocas para ele. Sebastião ficou feliz da vida. Voltou a beber como nunca.
Certo dia convidou um amigo, que também estava “na água”, para pular de um chafariz existente num supermercado perto do hospital. Dito e feito. O amigo sofreu trauma de crânio e morreu. O pipoqueiro teve uma fratura exposta no braço. Foi internado e operado no hospital, com colocação de placa e parafusos. Foi um paciente difícil e rebelde, pois não obedecia a nenhuma orientação médica. No ambulatório, sempre chegava embriagado, sem o enfaixamento que fora colocado, ou com o curativo da cirurgia sujo ou mesmo inexistente. Bem, com certeza ele era conservado em álcool, pois não teve infecção, a ferida do acidente e a incisão cirúrgica cicatrizaram perfeitamente, e o osso consolidou em tempo recorde.
Sebastião voltou à velha rotina, vendendo pipoca, levando pipoca para os médicos, fazendo amizades e sempre bebendo muito.
Era um indivíduo de baixa estatura, magricela e elétrico. Quando não estava falando, e isto era difícil, ficava gesticulando e se movimentando agitadamente. Jamais o vi parado, pensativo, como a refletir sobre problemas mais complexos. Estava satisfeito com a vida tal qual era. O que não podia faltar era a bebida.
Infelizmente, chegou um dia que saiu cambaleante, bêbado pra valer, “a cassar frangos” pela rua e foi colhido por um automóvel que passava em alta velocidade. A rua defronte ao hospital era muito movimentada e aquela não era hora para estar andando sem direção no meio dela.
Foi-se o pipoqueiro; ficou a saudade daquele jovial bebum...

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