domingo, 24 de fevereiro de 2008

CABEÇA DE CRIANÇA

Sempre detestei rotina. Antes de cursar medicina, trabalhei numa firma onde era encarregado de preparar as reuniões sobre produtos novos a serem lançados. Embora estes mudassem constantemente, a metodologia de preparo e lançamento era sempre igual e muito chato.
Quando me formei, achava, ingenuamente, que iria encontrar pouca rotina pela frente. Ledo engano! O atendimento ambulatorial que prestava era pura rotina, mesmo sabendo-se que cada caso era um caso.
Portanto, quando surgia um atendimento diferente, era mais que bem-vindo, para colorir um pouco o ambiente insosso.
Foi o que ocorreu nos dois relatos abaixo, em dias quase seguidos.
A mãe foi quem chegou primeiro. Chorava copiosamente.
— Meu filho, meu filho!
Imaginando que a criança estivesse correndo risco de vida, fui a seu encontro.
A cena era tão cômica, que desatei a rir. Fui agredido com uma bolsada dada pela mãe.
— Você ri, é, você ri?
Entrou um menino com cerca de oito anos, sorrindo de orelha a orelha. Preso à testa estava um dardo, daqueles que se usa para jogar contra um alvo redondo de cortiça, preso a uma parede. Alguém jogara e lhe acertara. Como atingiu a tábua óssea interna da região frontal, ou seja, perfurou as duas camadas de osso da parte da frente do crânio, o dardo não veio pendurado e sim, espetado num ângulo de 90 graus.
Nem se discute a sorte que teve por não ter sido atingido em um dos olhos.
Foi uma simples questão de girar o dardo e retirá-lo. Nem sangrou. Um pequeno curativo e uma vacina contra o tétano e o menor foi dispensado.
O outro caso foi parecido.
A mãe entrou correndo no ambulatório, gritando para salvar-mos a sua filha.
Essa criança era mais nova que a outra. Chorava, chorando mais ao nos ver.
— Não vai precisar cortar a minha cabeça, né?
— É claro que não — afirmei.
— Mas, Doutor, não consigo tirar a lata da cabeça dela — disse a mãe.
E, de fato, a lata que a menina enfiara na cabeça não saía, por mais força que se colocasse. Era óbvio que formara um vácuo.
Pedi que a enfermeira trouxesse um abridor de latas da cozinha do hospital. Bastou uma pequena abertura no fundo da lata e esta saiu com facilidade.
Recebi um beijo agradecido da criança e as duas foram embora satisfeitas.

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