sábado, 22 de dezembro de 2007

O MENDIGO DE GRAVATA

Fazia minha caminhada matinal pelo canteiro central da avenida, quando me deparei com um mendigo mexendo em sacos de lixo na calçada, do outro lado da rua. O que prendeu minha atenção foi que parecia estar usando terno e gravata. Mesmo assim, foi apenas uma imagem que rapidamente passou pelos meus olhos. Continuei andando.
Quando voltava, encontrei-o novamente. Desta vez, chafurdava uns sacos pretos que estavam colocados no próprio canteiro central. E não me enganara, ele estava mesmo de terno e gravata. O terno marrom era bem surrado, mas, de onde eu estava, não se via um único remendo. Não dava para saber a cor da camisa, porque só se via o colarinho, mas juro que algum dia fora branca. Com o tempo frio se aproximando, justificava-se o pulôver que vestia. A gravata vermelha desbotada se escondia, em parte, sob o colarinho e debaixo do pulôver.
O mendigo não teria 50 anos, porém, maltrapilho assim, aparentava bem mais. Portava duas sacolas a tiracolo e estava absorto escolhendo garrafas, algumas de vidro, outras de plástico e latas de refrigerante e cerveja, que colocava com cuidado nas sacolas. Só se deu por satisfeito quando as duas estavam cheias e transbordando.
Pareceu que minha presença passara despercebida, pois situava-me a uns dez metros de distância. Havia parado para observá-lo. Com tempo de sobra naquela manhã, decidi seguí-lo, pois queria desvendar o mistério desse homem e saber porque um mendigo se trajava daquele jeito.
Tendo terminado de coletar seus objetos, atravessou a avenida e começou a andar na direção oposta àquela de onde eu tinha vindo. Fui acompanhando-o, porém, pelo canteiro central. Só passei para a outra calçada quando o mendigo entrou numa rua que saía da avenida. Quando eu consegui chegar na esquina, vi que ele havia progredido bastante, pois estava quase um quarteirão à minha frente. Dobrou outra esquina. Tive a sorte de vê-lo entrando num terreno cercado. Quando cheguei ao portão, entendi onde me encontrava, pois havia um cartaz anunciando que aquele era um depósito de material para reciclagem. Havia sacos de lixo e caixas de papelão cheios por todos os lados, provavelmente trazidos pelas carrocinhas, das quais havia várias estacionadas. Contudo, nada do mendigo de gravata. Assim que vi alguém circulando pela área, indaguei pelo homem de terno.
— Ah — respondeu —, deve ser Seu Benedito. Ele está lá no escritório.
Apontou para uma estrutura que eu não tinha observado antes e que ficava a poucos metros de lá. Era um barracão de madeira, com janela, da qual saía um feixe de luz emanado do teto do recinto, proveniente de uma luminária de luz branca. Dirigi-me ao local e entrei pela porta semi-aberta.
Sentado atrás de uma escrivaninha delapidada, estava nosso homem, com um jornal na mão e um charuto na boca. Não havia sequer tirado o paletó. Na mesa, havia uma garrafa térmica e um copo descartável com café pela metade.
— Então conseguiu chegar até aqui... — comentou, tirando o charuto da boca e esboçando um sorriso, com dentes amarelados e cariados à vista.
Para justificar minha curiosidade, expliquei-lhe que desejava entrevistá-lo. Foi, então, que contou-me um pouco de sua vida.
Fazia dois anos que perdera tudo que tinha quando ocorreu uma enchente na periferia da cidade. Sua moradia desabou, levando junto sua mulher e único filho. Na ocasião, estava desempregado e soube da tragédia apenas quando retornou para casa à noite, após longo dia em busca de trabalho. Só lhe restara a roupa do corpo. Com um gesto, deu a entender que era a mesma que estava usando!
Fora acolhido por vizinhos, que sofreram menos com a catástrofe, porém, também se encontravam em situação crítica. Um deles trabalhava neste depósito de reciclagem e o convidou para vir com ele. A caminho, foram recolhendo os utensílios que pudessem ser aproveitados para reciclar.
Por usar terno e gravata, fato inusitado entre os demais trabalhadores, logo foi elevado a gerente do depósito. Desde então, apesar de ter arranjado um novo lugar para residir e estar numa situação econômica um pouco melhor, vinha diariamente ao depósito vestido tal qual no primeiro dia, para nunca mais se esquecer que fora com a ajuda dos amigos que conseguira superar as dificuldades ocasionadas pela tempestade.
No entanto, não conseguiu perder o hábito de separar todos os objetos para reciclagem que achava a caminho do trabalho, pois sabia que fora isso que se tornou seu ganha-pão, e que o fizera se reerguer.
Agora, quando vou caminhar e vejo alguém revirando o lixo da avenida, eu me pergunto:
— Será o Benedito?

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