segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A FLEUMA BRITÂNICA


Em meio à discussão sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (BREXIT), os britânicos fazem uma pausa para debater o que realmente importa: o chá.

Após a jogadora americana de futebol feminino Alex Morgan ter feito um gesto em campo como se estivesse tomando chá, na derrota das inglesas pelas americanas, durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2019, reacendeu-se o debate entre os leitores do The Times de Londres, o segundo jornal diário da Inglaterra, sobre um assunto que há muito aflige o povo britânico: quando se serve chá em uma xícara, o que deve ser colocado primeiro, o chá ou o leite?

Um leitor, em uma carta para o editor do jornal, ponderou se Morgan, a jogadora de futebol, derramava seu leite primeiro. Sugeriu que é correto colocar o leite em primeiro lugar. Isso inspirou uma resposta no dia seguinte de outro leitor, discordando dele e desencadeou uma enxurrada de cartas ao editor, as mais interessantes sendo as seguintes:

Numa das cartas, um leitor escreveu que se tratava de um problema social, pois o uso de porcelana barata tende a rachar a louça quando se coloca o chá quente primeiro. Então, deve-se despejar primeiramente o leite que diminui a temperatura, assim evitando acidentes.

Outro leitor argumentou que o chá pode manchar a porcelana e colocando o leite inicialmente, reduz esse efeito deletério.

Nova missiva disse que o chá deve ser despejado primeiro, para se determinar quanto leite é necessário. George Orwell, no seu artigo de 1946 “Uma Bela Xícara de Chá” também recomenda que se coloque o chá antes do leite, pelo mesmo motivo.

Ou seja, os britânicos não perdem uma oportunidade para ficarem agitados e discutir assuntos triviais, porém isso oferece um tipo de visão para o caráter fleumático dessa gente.

As páginas de cartas dos jornais britânicos são um instrumento sensível, que pode ser usado para detectar ondas de consternação que emanam do coração. Por exemplo, o editor de um jornal semanal decidiu eliminar progressivamente o "senhor" como a forma de se endereçar cartas ao editor, e ficou tão inundado de cartas raivosas que ele prontamente reverteu a decisão.

Dezenas de cartas revisadas numa Antologia de 2017 “As Grandes Cartas do The Times” do historiador James Owen, mostrou que, via de regra, não eram inspiradas por eventos históricos, mas sim por assuntos bastante banais.

Cita-se o exemplo de por que os pais da noiva devem pagar as despesas do casamento, por que ratos parecem apenas roer as teclas pretas dos órgãos das igrejas, por que as calças masculinas têm que ter bainha, as formas de finalizar uma carta de uma maneira elegante e amigável. Tudo isso leva a discussões sem fim, porém calorosas.

Como ele mesmo disse: só alguém britânico se empolgaria assim.

baseado em artigo publicado em
 The New York Times (eletrônico)
de 08.07.2019


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