Trem de Prata, Sonho Dourado. Esta é a propaganda que se faz da viagem de trem-leito noturno no trajeto São Paulo / Rio de Janeiro. Um verdadeiro engodo, uma vergonhosa propaganda enganosa.
Fizemos a viagem na noite de 19 de novembro. Na chegada à estação na Barra Funda, defrontamo-nos com um comboio de vagões prateados, nem um pouco reluzentes, que pareciam não receber um bom banho fazia tempo, posteriormente confirmado pela limpeza das janelas, das quais tínhamos até dificuldade para enxergar lá fora.
Depois de deixar a bagagem nas cabines, aguardamos a partida no vagão que funciona como bar. Chamou-nos atenção o aspecto velho dos vagões, malconservados, aparentando mais de cinqüenta anos. Ao sentarmos nas poltronas do bar, de tecido verde desbotado, afundamos nelas. As molas e espuma certamente não são revistas desde a montagem dos vagões.
O serviço de bar, apesar da atenção dispensada pelos garçons, é muito caro para o que se tem a oferecer.
Um dos pontos altos da viagem deveria ser o jantar. Afinal de contas, o panfleto se refere ao 'prazer de uma boa mesa'. Ao entrar no vagão-restaurante, observa-se um recuo para os anos quarenta. Não há de se negar a arrumação e a beleza para quem é saudosista ou aprecia um ambiente que só vira no cinema. Lamentavelmente, pára por aí qualquer comparação.
O cardápio, apresentado com toda a pompa, apresenta duas escolhas de entrada, de prato principal e de sobremesa. Cada um de nós fez a sua escolha. Estranhamos a demora para nos servir, uma vez que havia somente metade da costumeira lotação do trem, como viemos a saber. De súbito, um garçom veio nos informar que havia acabado o prato de entrada que escolhêramos.
Achei um absurdo. Aquilo raramente ocorre, mesmo em hotéis ou restaurantes de terceira categoria. Pedi que chamasse o gerente. Este nos disse que se fazia uma previsão de sessenta por cento de um prato e quarenta por cento do outro prato e infelizmente quase todos pediram o prato de menos unidades (melão e presunto). Como não quiséssemos o outro prato, providenciou uma pequena porção de salada de batatas. O pior não foi isto: no café da manhã seguinte, entre as outras coisas servidas, havia melão e presunto e o trem não havia parado durante a noite para ser reabastecido!
Se não bastasse aquilo, o prato principal era de quantidade ínfima e veio frio e embora tivesse solicitado que o aquecesse, voltou frio. A salada de frutas, uma das opções escolhidas, tinha frutas passadas. O jantar, o ponto alto da viagem, foi uma grande decepção.
Fomos dormir, porque ficar no vagão-bar é muito desconfortável. Isto, porque não sabíamos o que nos esperava nas cabines. A cabine com beliche é muito apertada, porém isso é culpa de quem construiu o vagão. Queria ver alguém tomar banho de ducha no banheirinho, onde mal dá para se mexer. Há ainda um aviso na parte interna da porta, para que se tome o banho de porta fechada. É claro, porque senão a tendência seria de se tomar banho na cabine, discretamente mais espaçosa.
Para quem dormiu – ou melhor, tentou dormir – no beliche superior, foi um sufocante pesadelo. O ar-condicionado da cabine mais parecia um ventilador mal-ajustado, de tanto barulho que fazia e estava a centímetros de minha cabeça. Virar na cama foi quase impossível, de tão apertado. O balanço do trem é outro fator muito desconfortante. Acho que não se pode esperar outra coisa de vagões malcuidados e uma estrada de ferro sucatada.
A tentativa de dormir foi em vão. Desistimos às quatro-e-meia da manhã e decidimos procurar o vagão-bar, que pelo menos é mais espaçoso. Estava todo às escuras. Pedimos ao nosso cabineiro, que por sinal foi muito atencioso, para ligar o ar condicionado e acender as luzes. Depois de vinte minutos de calor intolerável, ligou-se o ar, mas foi-nos dito que não poderiam acender as luzes, porque tinham ordem de ligá-las somente às seis horas. Viajamos no escuro até clarear o dia. Imagino a situação de alguém que sofresse de insônia!
O Trem de Prata chegou ao destino no horário previsto, quando então saboreamos um ótimo café da manhã.
Se, apesar de tudo o que descrevemos, ainda queira experimentar essa viagem, acredite no que diz o panfleto: "A bordo de um hotel sobre trilhos, você vive uma noite inesquecível". Pelo menos assim, não poderá julgar-se enganado, pois não é especificado nem o tipo de hotel e muito menos de que forma se tornará a noite inesquecível!
Este artigo foi escrito em 1997.
Foi enviado para a empresa responsável e também para vários jornais.
Não obtive nenhuma resposta e o mesmo não foi publicado nos jornais.
Só sei que meses depois a linha foi desativada.
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