domingo, 17 de fevereiro de 2008

O RESGATE

extraído do livro
“A Árvore de Chocolate:
a saga de uma família”,
2ª Edição, 2001


Em plena Primeira Guerra Mundial, um acampamento inglês em solo francês fora duramente bombardeado e os soldados ingleses batiam em retirada.
Os alemães estavam fazendo de tudo para acabar com a Divisão, atacando com forças de terra e de ar e sua pontaria era certeira e mortífera.
Comandados por um oficial, saíram em fila indiana. Um atrás do outro, tentavam manter certa disciplina, apesar das circunstâncias, evitando as estradas e andando rapidamente, na tentativa de se afastar o mais rápido possível dali.
O caminho estava cheio de percalços, de terreno naturalmente irregular. Nas áreas de vegetação densa, sentiam-se seguros da aviação alemã, mas nas regiões descampadas, doíam-lhes os pescoços, de tanto olharem para o céu para ver a chegada de aeroplanos inimigos.
Não tardou muito para que o grupo de cerca de trinta homens fosse avistado por alemães que se encontravam num balão de observação. Mais que depressa, avisaram os colegas de terra. Estes, por sua vez alertaram os pilotos que partiram à caça de suas vítimas.
A aproximação de quatro aeroplanos fez com que todos procurassem abrigo, muito difícil naquele momento. Estavam atravessando um enorme pasto. Havia pouco gado, mas o pouco que estava ali, nem tomou conhecimento da presença dos forasteiros.
Ouviram-se os primeiros tiros vindos dos aparelhos. Arthur, que se deitou próximo de uma ribanceira, levantou a cabeça para ver o que estava acontecendo. Viu quando uma vaca foi atingida em cheio. Pareceu explodir, com pedaços de carne voando para tudo quando era lado. Arthur sentiu ânsia de vômito ao presenciar a cena, mas logo a esqueceu, preocupado com sua segurança.
Viu Walter, que estava do outro lado da mesma ribanceira e acenou. Ele respondeu também com um aceno e indicou uma vala mais à frente, sugerindo, por sinais, que fossem até lá. Arthur se levantou e saiu correndo. Walter fez o mesmo.
Um aeroplano britânico apareceu e começou a atacar os alemães. Um deles se separou dos demais para travar combate, enquanto os outros trataram de metralhar os soldados em terra. Um a um, os homens foram tombando, feridos demais para se erguer.
O piloto britânico conseguiu eliminar um dos aeroplanos alemães que caiu com grande estrondo de bico no chão. Os outros alemães tentaram, em vão, atacar o inglês, mas era um exímio aviador e não tiveram sucesso. Saíram do local, para se reagruparem.
Por sorte, Walter e Arthur não sofreram nenhum ferimento, mas perceberam que estavam sozinhos. Gritaram por seus parceiros, por cima do ruído dos motores, mas ninguém respondeu. Os homens tinham sido dizimados.
Sabiam que estavam liquidados. O aviador inglês, do ar, também percebeu a delicada situação em que se encontravam. Não havia mais nenhum soldado em pé. Os aeroplanos alemães estavam se direcionando de novo para eles.
O britânico, num gesto arrojado e destemido, baixou o biplano que pilotava e tentou pousar, fazendo sinais com uma das mãos para que os dois soldados chegassem mais perto.
Arthur e seu companheiro entenderam de imediato qual era sua intenção. Largaram tudo que carregavam e correram como doidos em sua direção. Os aeroplanos alemães estavam chegando mais perto.
Assim que tocou o solo, o piloto gritou com toda a força de seus pulmões:
— Depressa! Segurem em alguma coisa! Vamos sair daqui! Vamos! Vamos!
Tanto Walter como Arthur se atiraram no chão quando as asas do aeroplano passaram por cima deles e conseguiram se agarrar ao trem de pouso.
Satisfeito com o que viu, o piloto abriu o acelerador e puxou o bastão contra si. O motor reclamou e gemeu com o excesso de peso, mas obedeceu ao comando.
Com as pernas balançando perigosamente ao sabor do vento e os corpos pendurados do trem de pouso, Walter e Arthur faziam um esforço sobre-humano, tentando se ajeitar numa melhor posição, para não caírem. A trepidação do biplano nada os ajudava. Suavam profusamente em sua concentração de se manterem agarrados à vida. Era sua única chance e sabiam disso.
Os alemães, reconhecendo o drama e o heroísmo do piloto e dos dois soldados, passaram por eles, balançaram as asas em cumprimento e foram embora, deixando-os à própria sorte.
Não tardou e estavam sobrevoando uma região tranqüila, atrás das linhas aliadas.
— Vou descer — gritou o piloto, erguendo-se do assento e se esgueirando perigosamente para fora, para se fazer ouvir. — Quando estiver quase tocando o solo, larguem-se, com o corpo bem mole.
O campo que escolheu era de feno, que estava pronto para ser colhido. Quando as rodas estavam tocando o feno, soltaram-se do trem de pouso e caíram no meio da plantação.
Ambos perderam os sentidos e foram encontrados por camponeses que viram o aeroplano praticamente aterrizar e depois arremeter. Um deles estava certo de que vira uma pessoa pendurada do aparelho e que ela não estava mais lá quando o aeroplano subiu de novo.
Foram carregados para a casa da fazenda e colocados de cama. Quando despertaram, mal podiam acreditar que estavam vivos. Ao lado deles estavam um casal de camponeses franceses, dois rapazes de dezesseis-dezessete anos de idade e também o piloto inglês, que lhes sorria amigavelmente, por entre dentes e bigode amarelados por nicotina.
— Fico contente que estejam vivos — disse.
— Não... não sei como agradecer — balbuciou Arthur. Tinha dificuldade em mover os lábios. Seu rosto estava todo esfolado pela queda ao chão.
Walter só olhava para o piloto. Faltava-lhe palavras para exprimir sua gratidão por ter-lhe dado nova chance de viver. Mais tarde, com suas emoções sob controle, pôs em palavras seu pensamento. O piloto, que se chamava Alaric Hugh Farrar, ficou encabulado.
Assim que Arthur e Walter voltaram para Abbeville, fizeram um relatório do ato do piloto Farrar. Em virtude disso, o piloto recebeu a maior comenda militar por bravura da Grã-Bretanha, a Victoria Cross.

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