segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

INSECTA

Ela tossia sem parar. Parecia uma irritação profunda na garganta. Era uma tosse estridente que não lhe preocupava naquele momento.
Passados alguns dias, tendo dormido mal todos eles, e com a tosse incessante, decidiu procurar ajuda. Foi na farmácia e comprou um expectorante à base de iodo. Não melhorou. Tomou leite quente com mel e limão. Não adiantou nada.
Foi então ao Clínico Geral. Este a examinou, deu-lhe uns tapinhas nas costas, usou o estetoscópio e pediu para que dissesse “trinta e três”. Achou que fosse o início de um resfriado e a medicou sintomaticamente. Deu-lhe outro expectorante, também à base de iodo. Saiu do consultório feliz da vida. Depois de mais três dias sem dormir, por causa da tosse, concluiu que de nada valera ir ao médico.
Procurou uma vizinha, que lhe receitou outra medicação caseira, mas que nada resolveu. No dia seguinte estava com calafrios — apesar do calor que fazia — e sentia náuseas. Decidiu procurar o hospital.
Passou pelo Pronto Socorro e foi vista por um residente de 1º ano. Recém-formado e cheio de dúvidas, fez uma história minuciosa que passou para o residente de 2º ano de Clínica Médica. Examinaram juntos a paciente. Afora a febre e a tosse, nada encontraram: pulmões livres, limpos. Pediram as radiografias padrão. Ao receberem o resultado, observaram que nada havia de anormal. E a paciente continuava tossindo.
Os residentes estavam preocupados com a paciente, porque ela demonstrava sinais de estafa física, talvez pela febre somada à tosse contínua e noites sem dormir. Consultaram o assistente, que concordou com a sua internação.
Já internada, com diagnóstico de pneumopatia infecciosa a esclarecer, foram colhidos vários exames de sangue, além de urina. Eventualmente, poderia estar com febre por uma infecção urinária subclínica. Na discussão do caso, optou-se por não começar tratamento antibiótico antes do resultado dos exames. Um único exame veio alterado: os eosinófilos estavam significativamente elevados. Este dado isolado indicava um processo alérgico intenso. Todos se olhavam com um ponto de interrogação nos rostos.
Era rotina solicitar radioscopia para pacientes internados com doenças pulmonares. Esta não foi nenhuma exceção. A paciente foi levada para o serviço de Radiologia Médica. Foi deitada de costas sobre a mesa e a câmara de radioscopia colocada sobre o tórax dela. O médico radiologista acionou o aparelho e na tela paralela à mesa observava-se o coração batendo e o movimento dos pulmões à medida que a paciente respirava. Não parecia haver nada de anormal. A paciente deu uma tossida forte quando o radiologista desligou a radioscopia e, naquele exato momento, por um instante, ele teve a impressão de ter visto alguma coisa de diferente. Não que pudesse jurar que vira algo estranho, mas imprimiu-se na sua mente, não sabia bem o quê.
Rapidamente voltou a ligar a radioscopia e examinou atentamente os pulmões daquela senhora. Nada viu. Pediu que tossisse. Não aconteceu nada. Repentinamente, ela teve de tossir novamente e eis que, numa dobra de pulmão, surgiu uma pequena mancha branca que se movia!
O radiologista não acreditava no que via. Não desgrudou os olhos da minúscula criatura que mais parecia um ácaro, porém era seguramente uma aranha e se movimentava a passos até que rápidos pelo brônquio daquela senhora. Como foi que a aranha apareceu ali e como conseguiu sobreviver? E como retirá-la de lá?
Naquele tempo, a experiência com broncoscopia era pequena, mas era provavelmente a única solução. Foi chamado o Serviço de Endoscopia, que retirou o inseto com êxito do pulmão daquela senhora.
A paciente foi a única que deu uma explicação razoável para o problema. Ela costumava dormir de costas e seu marido sempre se queixou de que roncava e de boca aberta! Provavelmente, foi numa ocasião destas que a aranha entrou em sua boca e seguiu traquéia abaixo...
A entrada de insetos por orifícios naturais não ocorrem com tanta freqüência assim, porque existem bloqueios naturais para isto. Por exemplo, os pêlos do nariz e os tímpanos nos ouvidos.
No entanto, certa vez, atendi uma senhora no Pronto Socorro que estava desesperada. Tinha um zumbido persistente no ouvido. Classificava-o com se um inseto estivesse batendo asas lá dentro. Era, talvez, uma forma curiosa de se descrever um zumbido, mas deixei passar. Na sua história, nada referia de tonturas, hipertensão ou quaisquer sintomas sugestivos de patologias que pudessem justificar o zumbido. Nada constatei de importante no exame físico de rotina.
Decidi examinar o ouvido. O ouvido do outro lado estava perfeito, mas do lado de que se queixava, não se enxergava o tímpano. Parecia apresentar uma rolha de cerúmen. Era, sem dúvida, a causa de seu problema. Com a ponta do otoscópio verifiquei que conseguia mobilizar a cera. Era uma simples questão de removê-la com uma pinça.
Com extremo cuidado, usando uma pinça sem dentes, consegui agarrar a rolha de cera e lentamente a fui retirando. A paciente reclamava que o zumbido tinha piorado. Qual não foi a minha surpresa e da paciente quando retirei de seu ouvido uma pequena mariposa que, tão logo se sentiu libertada, soltou-se da pinça e saiu voando.

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