sexta-feira, 29 de julho de 2016

A GÊNESE SEGUNDO ROBERTO ANICHE


Colaborador: Roberto Antonio Aniche - médico ortopedista em São Paulo

Deus, talvez cansado de andar pelo seu universo infinito e escuro resolveu criar a Luz, dispendendo uma energia maravilhosa que ele tinha, e tem, sempre de sobra para boas coisas. E daí para diante resolveu criar problemas, criando nosso mundinho.

Claro, que Deus sendo perfeito, criou a terra perfeita, mares, rios, florestas, montanhas, ventos e tudo o mais que um grande paraíso deve ter para ser chamado de paraíso. E neste local maravilhoso colocou uma vida indescritível: milhares de espécies animais, desde simples bactérias para fermentar o pão nosso de cada dia até gigantescos seres de quatro patas.

E como tudo era perfeito, todos viviam em paz. Mas Deus resolveu fazer mais um pouco. Pegou da terra perfeita que havia criado, misturou com a água perfeita que fazia jorrar pelo mundo, colocou um pouco de Sua energia e... zás... criou o homem.

Não sei se à sua imagem e semelhança, pois isso é o que está escrito nos livros, mas ninguém nunca viu a Deus, a não ser pela sensação do grande amor que Ele tem por toda a Sua criação.

O homem se vê então, num lugar maravilhoso, cheio de animais calmos e carinhosos, um bosque gigantesco chamado Terra que lhe fornecia tudo o que quisesse. Mas o homem ficou, depois de um certo tempo, entediado. Por exemplo, poderia cantar, mas não tinha plateia, fazia discursos ao vazio (nem sempre Deus, preocupado e ocupado com outras criações em outros pontos do universo estaria ali para ouvi-lo).

Mais ainda, o homem era um desconhecido para si mesmo. Esse primeiro homem, Adão, o solitário, sequer sabia o que fazer com sua genitália, além de regar as plantas sempre que quisesse.

Numa dessas tardes de verão, voltando para conferir a Sua criação, Deus encontra o homem deprimido, entristecido. Deus lhe pergunta:

— O que lhe falta?
— Sei lá, responde Adão. Talvez uma televisão, umas cervejas, amigos para o poker.
— Hummm... Vou fazer você dormir e quando acordar vai ter uma surpresa.

Sem dar tempo nenhum, injetou-lhe um tal de propofol na veia, e como Adão estava em jejum, nem teve tempo de vomitar, adormecendo. A cirurgia foi um sucesso. Afinal Deus é Deus, e retirar uma costela foi trabalho simples. Em seguida, essa costela sofreu um processo de multiplicação e manipulação genética e
eis que, quando Adão acorda, teve grandes surpresas.

A primeira: não teve cicatriz! A segunda: nada doía! A terceira: tinha uma mulher maravilhosa peladinha só para ele! Não tinha concorrentes, não seria traído, e perfeito como ele era, não falharia nenhuma vez!

Daí para diante a história muda: eles correm um atrás do outro, se alimentam, fazem sexo quatro vezes por dia, finalmente se descobrem completamente. Mas claro que tinha que ter um opositor: um dos bichos ficou meio enciumado.
Adão e Eva andavam sempre nus, brincavam com bichinhos incluindo tigres e leões, que eram todos mansinhos, calmos, não disputavam território como os cachorros fariam muitos séculos depois e fariam cocô no lugar e na hora certa.

Ora, a cobra era uma revoltada: não tinha patas, sequer esboços para correr sem ter que se arrastar, não tinha asas para voar como os pássaros e sequer poderia entender o que Adão e Eva faziam enquanto davam gritos e gemidos histéricos. E resolve criar uma revolução. Convence o leão e o tigre que bichos mansos são bichanos e que eles deveriam ser feras, e que carne é muito mais saborosa do que pastar no capim-gordura.

Ora, havia uma árvore da qual Adão e Eva não poderiam colher frutos, e com certeza não era o jatobá, mas sempre foi pintada como uma maçã. A cobra vai e conversa com Eva, mostrando a ela todas as vantagens de experimentar de tudo e não ficar limitada como Deus queria. A mulher que era fraca de miolos, pois fora criada a partir de osso e músculos, pegou a tal fruta e levou-a para Adão, que, tonto como era, comeu parte da fruta, enquanto Eva se refastelava com a outra parte.

Neste momento conquistaram o entendimento. Ninguém sabe quantos anos decorreram da criação até este episódio. O fato é que, depois disso, cada um notou que estava sem roupa, e tiveram vergonha. Talvez Eva estivesse lá pelos seus oitenta anos, e Adão com seus noventa. Ela, cheia de celulite, seios caídos, sem depilar as virilhas. Ele, barrigudo, faltando alguns dentes.

A fruta causou alguns inconvenientes: ele teve flatulência e ela gritou um palavrão. Cobriram-se com folhas que hoje chamamos de roupa. Ninguém foi expulso do paraíso terrestre, pois aqui estamos. Deus, no entanto, presenteou-lhes com o trabalho para a subsistência e com a família, atualmente o tal presente de grego. Para que tivessem filhos retirou o anticoncepcional da água. Para que tivesse partos com dor escondeu o analgésico.

Nasceram dois filhos, Caim e Abel, junto com o ciúme, o egoísmo e o ódio. A necessidade de acumular riquezas fez com que um matasse o outro. A criação de Deus continuou perfeita, mas não do jeito que Ele queria.

E a partir daí, tanto os bichinhos como os homens começaram a se matar para comer carne, os homens tiveram que arar a terra, plantar, criar armas a princípio para se defender, depois para se matarem mutuamente.

Foram construídas, com o passar dos séculos, grandes churrascarias e grandes hospitais cardiológicos, grandes hospícios e imensas técnicas de destruir os povos e o planeta. O homem e a mulher aprenderam muito mais do que não deveriam do que deveriam e modificaram leis divinas muito simples.

Acho que Deus, lá do alto, na minha opinião de modificador da história, olha o nosso planeta, e alisando Sua magnífica barba branca, pensa com seus botões:

— Não era para ficar assim, não era mesmo...

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