Colaborador: Roberto Antonio Aniche - médico ortopedista em São Paulo
Deus, talvez cansado de andar pelo seu
universo infinito e escuro resolveu criar a Luz, dispendendo uma energia
maravilhosa que ele tinha, e tem, sempre de sobra para boas coisas. E daí para
diante resolveu criar problemas, criando nosso mundinho.
Claro, que Deus sendo perfeito, criou
a terra perfeita, mares, rios, florestas, montanhas, ventos e tudo o mais que
um grande paraíso deve ter para ser chamado de paraíso. E neste local
maravilhoso colocou uma vida indescritível: milhares de espécies animais, desde
simples bactérias para fermentar o pão nosso de cada dia até gigantescos seres
de quatro patas.
E como tudo era perfeito, todos viviam
em paz. Mas Deus resolveu fazer mais um pouco. Pegou da terra perfeita que
havia criado, misturou com a água perfeita que fazia jorrar pelo mundo, colocou
um pouco de Sua energia e... zás... criou o homem.
Não sei se à sua imagem e semelhança,
pois isso é o que está escrito nos livros, mas ninguém nunca viu a Deus, a não
ser pela sensação do grande amor que Ele tem por toda a Sua criação.
O homem se vê então, num lugar
maravilhoso, cheio de animais calmos e carinhosos, um bosque gigantesco chamado
Terra que lhe fornecia tudo o que quisesse. Mas o homem ficou, depois de um
certo tempo, entediado. Por exemplo, poderia cantar, mas não tinha plateia,
fazia discursos ao vazio (nem sempre Deus, preocupado e ocupado com outras
criações em outros pontos do universo estaria ali para ouvi-lo).
Mais ainda, o homem era um
desconhecido para si mesmo. Esse primeiro homem, Adão, o solitário, sequer
sabia o que fazer com sua genitália, além de regar as plantas sempre que
quisesse.
Numa dessas tardes de verão, voltando
para conferir a Sua criação, Deus encontra o homem deprimido, entristecido.
Deus lhe pergunta:
— O que lhe falta?
— Sei lá, responde Adão. Talvez uma
televisão, umas cervejas, amigos para o poker.
— Hummm... Vou fazer você dormir e
quando acordar vai ter uma surpresa.
Sem dar tempo nenhum, injetou-lhe um
tal de propofol na veia, e como Adão estava em jejum, nem teve tempo de
vomitar, adormecendo. A cirurgia foi um sucesso. Afinal Deus é Deus, e retirar
uma costela foi trabalho simples. Em seguida, essa costela sofreu um processo
de multiplicação e manipulação genética e
eis que, quando Adão acorda, teve
grandes surpresas.
A primeira: não teve cicatriz! A segunda: nada doía! A terceira: tinha uma mulher maravilhosa peladinha só para ele! Não tinha concorrentes, não seria traído, e perfeito como ele era, não falharia nenhuma vez!
Daí para diante a história muda: eles correm um atrás do outro, se alimentam, fazem sexo quatro vezes por dia, finalmente se descobrem completamente. Mas claro que tinha que ter um opositor: um dos bichos ficou meio enciumado.
Adão e Eva andavam sempre nus,
brincavam com bichinhos incluindo tigres e leões, que eram todos mansinhos,
calmos, não disputavam território como os cachorros fariam muitos séculos
depois e fariam cocô no lugar e na hora certa.
Ora, a cobra era uma revoltada: não tinha patas, sequer esboços para correr sem ter que se arrastar, não tinha asas para voar como os pássaros e sequer poderia entender o que Adão e Eva faziam enquanto davam gritos e gemidos histéricos. E resolve criar uma revolução. Convence o leão e o tigre que bichos mansos são bichanos e que eles deveriam ser feras, e que carne é muito mais saborosa do que pastar no capim-gordura.
Ora, havia uma árvore da qual Adão e
Eva não poderiam colher frutos, e com certeza não era o jatobá, mas sempre foi
pintada como uma maçã. A cobra vai e conversa com Eva, mostrando a ela todas as
vantagens de experimentar de tudo e não ficar limitada como Deus queria. A
mulher que era fraca de miolos, pois fora criada a partir de osso e músculos,
pegou a tal fruta e levou-a para Adão, que, tonto como era, comeu parte da
fruta, enquanto Eva se refastelava com a outra parte.
Neste momento conquistaram o
entendimento. Ninguém sabe quantos anos decorreram da criação até este
episódio. O fato é que, depois disso, cada um notou que estava sem roupa, e
tiveram vergonha. Talvez Eva estivesse lá pelos seus oitenta anos, e Adão com
seus noventa. Ela, cheia de celulite, seios caídos, sem depilar as virilhas.
Ele, barrigudo, faltando alguns dentes.
A fruta causou alguns inconvenientes:
ele teve flatulência e ela gritou um palavrão. Cobriram-se com folhas que hoje
chamamos de roupa. Ninguém foi expulso do paraíso terrestre, pois aqui estamos.
Deus, no entanto, presenteou-lhes com o trabalho para a subsistência e com a
família, atualmente o tal presente de grego. Para que tivessem filhos retirou o
anticoncepcional da água. Para que tivesse partos com dor escondeu o
analgésico.
Nasceram dois filhos, Caim e Abel,
junto com o ciúme, o egoísmo e o ódio. A necessidade de acumular riquezas fez
com que um matasse o outro. A criação de Deus continuou perfeita, mas não do
jeito que Ele queria.
E a partir daí, tanto os bichinhos
como os homens começaram a se matar para comer carne, os homens tiveram que
arar a terra, plantar, criar armas a princípio para se defender, depois para se
matarem mutuamente.
Foram construídas, com o passar dos
séculos, grandes churrascarias e grandes hospitais cardiológicos, grandes
hospícios e imensas técnicas de destruir os povos e o planeta. O homem e a
mulher aprenderam muito mais do que não deveriam do que deveriam e modificaram
leis divinas muito simples.
Acho que Deus, lá do alto, na minha
opinião de modificador da história, olha o nosso planeta, e alisando Sua
magnífica barba branca, pensa com seus botões:
— Não era para ficar assim, não era
mesmo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário