Boston Children's Hospital
Até os oito anos de idade, a criança
parecia normal. Nascera sem mazelas e
foram-lhe dadas todas as vacinas programadas. Um dia, a mãe foi chamada
à escola porque seu filho não estava bem. A diretora não soube especificar,
pelo telefone, o que tinha acontecido. Voou até lá; até passou em sinal
vermelho. Telefonou para o marido, mas não conseguiu falar com ele. Estava
inspecionando alguma obra, pois era sócio de uma construtora.
O menino se
encontrava na sala da diretora e, pelos seus olhos injetados, era óbvio que
estivera chorando. A mãe olhou para ele e depois para a diretora e uma
expressão de alívio surgiu em seu rosto ao perceber que não sofrera nenhum
acidente. Esta expressão foi substituída por uma de interrogação. A diretora
explicou que, durante o recreio, fora chamada pela orientadora: André havia
parado de brincar, olhava para o braço esquerdo e reclamou que parecia não
estar lá. Não sabia dizer direito o que sentiu. Negava presença de dor. Apenas
não sentia o braço. Ao ser indagado pela mãe, referiu que já voltara a senti-lo
e, para comprovar, moveu o braço, levantou-se e foi abraçar sua mãe. Ela foi
aconselhada a levá-lo ao pediatra.
No transcorrer
dos dias seguintes, André se comportou como qualquer criança normal e os pais,
sempre muito ocupados, foram protelando a visita ao médico. Quando chegou a
data habitual para uma consulta pediátrica, alguns meses depois, a mãe só
mencionou de passagem o que ocorrera e o pediatra não deu nenhuma importância
ao fato.
Quatro ou
cinco anos depois, começou a se queixar de dores de cabeça frequentes a ponto
de ter de ficar deitado, mesmo após medicado. Levou o menino ao pediatra. Havia
esquecido completamente daquele sintoma de paresia passageira. O pediatra
também não se recordara dele, pois não o tinha anotado no prontuário do menor.
Num fim de
semana, ao passar pela porta do quarto do André, a mãe ouviu um ruído estranho
e, entrando, encontrou o menino no chão, convulsionando. Imediatamente, gritou
por socorro, virou o menino de lado para que não aspirasse, como havia ouvido
num programa de rádio e, chorando, tentou acalmar o menino. Quando o pai
chegou, o garoto já não se debatia. Puseram-no na cama e telefonaram para o
pediatra. Como André havia melhorado, recomendou que ficasse de cama, mas se
voltasse a convulsionar, levasse para o hospital mais próximo (do lado de sua
casa).
Nada
aconteceu. Quando foram ao pediatra no dia seguinte, este constatou que o André
aparentava saúde perfeita, mas aconselhou que procurassem um neurologista, pois
poderia estar apresentando alguma forma de epilepsia. Assim fizeram e este
solicitou vários exames complementares, entre os quais um novo exame
recém-chegado ao Brasil, chamado ressonância nuclear magnética. No laudo da
ressonância cerebral constava a hipótese diagnóstica de Doença de Moyamoya.
O neurologista
explicou que se tratava de uma doença muito rara da qual não tinha experiência
e referiu o caso para um neurocirurgião. Este confirmou o diagnóstico pela
ressonância e disse que se tratava de uma doença congênita com gradativa
obstrução das carótidas e artérias da base do crânio, responsáveis pela
irrigação sanguínea cerebral e que, eventualmente, poderia levar a derrames e
mesmo à morte. De seu conhecimento, havia uma cirurgia para resolver esta
patologia, porém ela era feita nos Estados Unidos. O Hospital Infantil de
Boston (Boston Children’s Hospital) tinha a maior experiência com esta técnica.
Ele conhecia um dos neurocirurgiões daquele hospital de Massachusetts. Por
coincidência, na semana seguinte, este cirurgião estaria no Brasil para
participar de várias conferências. Se os pais de André concordassem, poderia
fazer um contato com ele.
Depois de ver
a ressonância, o médico americano quis examinar o André e ele foi levado ao
hotel onde se encontrava hospedado. Após o exame, o neurocirurgião retirou do
bolso um caderninho de anotações, consultou-o e marcou a cirurgia para daí a
duas semanas. Contou que havia necessidade do menino ser operado com urgência,
pois sofria o risco de um derrame fatal a qualquer hora. O procedimento
cirúrgico tinha o complicado nome de arteriosinangiose pial. A técnica fora
desenvolvida havia mais de 10 anos e os resultados eram muito bons. Haveria
necessidade do André permanecer em Boston por alguns meses após a cirurgia, até
se ter certeza que estava bem recuperado.
Não havia como
não aceitar. Surgiu um dilema para a família. O custo seria muito elevado.
Decidiu-se então que o pai venderia sua participação na construtora, para fazer
frente às despesas. Ao tomar conhecimento do problema deles, um engenheiro
indiano muito chegado ofereceu entrar em contato com amigos indianos residentes
em Boston que poderiam ajudar a acomodá-los. Apenas André e seu pai viajariam,
a mãe permanecendo na casa dos pais dela, cuidando da irmã do André, já que
tiveram de se desvencilhar da casa que tinham acabado de comprar, pois não
poderiam continuar pagando as prestações.
A cirurgia
transcorreu dentro do esperado. A comunidade indiana de Boston os acolhera como
irmãos e depois que André recebeu alta do hospital, ficaram hospedados na casa
de um dos indianos que lá conheceram. Outros membros da comunidade também
colaboraram com ambos, já que durante sua recuperação, André necessitava de
vigilância constante.
Sempre uma
pessoa muito ativa, o pai de André, que dominava um pouco de inglês, resolveu
frequentar cursos no M.I.T., o Massachusetts Institute of Technology, o
Instituto de Tecnologia daquele estado. Com sua experiência, logo começou a se
destacar e foi convidado a partilhar seus conhecimentos e vivência profissional
brasileiros com seus colegas americanos, inesperadamente tornando-se um
palestrante respeitado.
Chegou o
momento de voltar para o Brasil, mas faltava ainda acertar uma boa parte dos
honorários médicos da equipe do hospital. Na última consulta com o
neurocirurgião, muito constrangido, confessou que tão logo voltasse para o
Brasil, iria levantar um empréstimo para saldar seu compromisso com ele. O
médico deu risada e disse que tudo já fora resolvido, pois recebera, na
véspera, a visita de dois representantes da comunidade indiana com um cheque no
valor exato do que devia. Houve uma contribuição de todos para cobrir as
despesas que fizera, embora o pai de André nada havia comentado com seus amigos
indianos. No entanto, jamais soube como tomaram conhecimento de suas
dificuldades financeiras.
André nunca
mais teve quaisquer sintomas. Todo ano voltava para Boston com o pai para uma
avaliação médica e visitar os amigos. O pai fazia isto coincidir com os
convites que recebia do M.I.T. para palestras. André se formou engenheiro e
está fazendo pós-graduação no M.I.T. Seu pai fundou uma companhia de engenharia
no Brasil juntamente com aquele engenheiro indiano que os apresentara para seus
compatriotas em Boston e os dois pretendem receber André de braços abertos como
um novo sócio. Atualmente, já é uma firma internacional, com filiais nos
Estados Unidos, na Índia e na Inglaterra. Prima em atender os mais
necessitados, principalmente das minorias indianas espalhadas pelo mundo. Criou-se
também uma fundação, centrada nos Estados Unidos, gerenciada por vários
indianos de Boston, para o estudo de doenças raras da infância. O pai, e o
próprio André, souberam, como ninguém, colocar a gratidão acima de tudo, após
terem passado por duras agruras.
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