Há
100 anos eclodiu a Primeira Guerra Mundial com a invasão austro-húngara da
Sérvia em 28 de julho de 1914. Foi um conflito inglório com 10 milhões de
soldados e 7 milhões de civis mortos, além de 20 milhões de feridos e
mutilados. Para se ter uma noção do número de vítimas, a população total do
Brasil em 1914 era de 38 milhões que, na atualidade, representaria a quase
totalidade da população do Estado de São Paulo.
Nos países aliados, em especial
os de língua inglesa, o “Dia da Papoula” é um dia muito especial, conhecido
como “Poppy Day”, e corresponde ao dia 11 de novembro. É o dia em que são
realizadas cerimônias em memória dos soldados tombados nas duas Grandes Guerras
do século passado, de 1914-1918 e de 1939-1945.
A data de 11 de novembro
coincide com o fim da Primeira Guerra Mundial, quando foi assinado o Armistício
em Compiègne, na 11ª hora, do 11º dia, do 11º mês de 1918, após ocorrer o
colapso do exército alemão em todas as frentes de batalha. Foi a guerra das trincheiras,
com um número impressionante de baixas, que nunca deverá ser esquecido: 37
milhões entre mortos e feridos. Este foi um levantamento feito pelos
Ministérios da Guerra dos países participantes. Jamais se saberá precisamente o
número de inválidos, cegos e outros incapacitados para a vida devido ao
conflito.
No entanto, a Primeira Grande
Guerra foi apenas um ensaio para a Segunda, na qual, apenas o número de judeus
e de outros grupos minoritários mortos chegou a equivaler aos que morreram na
Primeira Guerra. A catástrofe gerada pela Segunda Guerra Mundial ainda se
reflete no século XXI. Mesmo assim, a memória de muitos é curta e ameaças de
novos conflitos mundiais permanecem. Por isso, é tão importante cultuar, para
não olvidar, os tombados naquelas duas grandes guerras.
As batalhas travadas na região
de Flandres, uma planície subdividida entre Bélgica, França e Holanda, foram
verdadeiras carnificinas. A cidade de Ypres foi palco de conquista,
reconquista, destruição quase total, gás venenoso e milhares de óbitos. Em
1915, um oficial médico canadense, John McCrae, após ver muitos de seus amigos
caírem nos campos de papoulas vermelhas das planícies de Flandres, escreveu um
poema considerado o mais famoso da Primeira Grande Guerra, e que fez com que a papoula
se tornasse o símbolo dos soldados mortos em batalha. Entretanto, ele não foi
morto em campo. McCrae faleceu de pneumonia em 1918, com 46 anos de idade.
Traduzo livremente seu poema:
Nos
campos de Flandres as papoulas se dobram ao vento
Entre
as cruzes, fila após fila,
Que
marcam nosso lugar; e no céu
Cantando
heroicamente, as cotovias voam
Quase
não ouvidas entre canhões a toar em terra.
Somos
os Mortos. Há poucos dias
Vivíamos,
sentíamos a aurora, víamos o pôr do sol,
Amávamos
e éramos amados, e agora estamos deitados
Nos
campos de Flandres.
Assumam
nossa luta com o inimigo:
A
vocês, com mãos débeis lançamos
A
tocha; para ser de vocês para segurar ao alto.
Se
romperem a fé depositada por nós que morremos
Não
dormiremos em paz, embora papoulas cresçam
Nos
campos de Flandres.
O primeiro “Dia da Papoula” foi
celebrado em 1921 e papoulas foram levadas de Flandres para a Inglaterra,
decisão influenciada pelo poema de McCrae. Mais tarde, veteranos incapacitados
abriram uma fábrica de papoulas artificiais que são vendidas, anualmente, no
“Dia da Papoula”. Todos usam a papoula vermelha presa à sua roupa.
Este
ano, em homenagem aos mortos na Primeira Grande Guerra, quase um milhão de
papoulas de cerâmica foram postas no fosso que circunda a Torre de Londres,
produzindo o efeito de “sangue em terra e mar”.
Na Catedral Anglicana de São
Paulo, no domingo mais próximo de 11 de novembro, comparecem prelados de vários
credos, representantes militares do Brasil e de outros países tradicionalmente
aliados, e das Legiões Britânica, Francesa e Belga. São lidos os nomes dos
membros da comunidade inglesa em São Paulo que deram suas vidas nas duas
guerras mundiais. É uma cerimônia muito emocionante.
A arrecadação com a venda das
papoulas artificiais vai para o Fundo Haig, nome dado em homenagem ao
Marechal de Campo Sir Douglas Haig, comandante das forças aliadas na frente
oeste durante a Primeira Guerra. Este fundo levanta recursos para ajudar
mutilados de guerra, geralmente de outras guerras que não as supramencionadas,
porque a maioria dos sobreviventes daquelas já se foi.
O Presidente da Legião
Britânica finaliza a cerimônia, após ter lido os nomes dos mortos, com as
seguintes palavras: “Eles não envelhecerão, como foi deixado para nós
envelhecermos. A idade não os cansará, nem os anos os condenarão. No crepúsculo
e ao amanhecer, sempre nos lembraremos deles”.
Em
novembro de 1918, uma professora americana e humanista, Moina Michael, escreveu
um poema resposta ao de McCrae, intitulado “Manteremos a Fé”, que traduzo também
livremente:
Oh! vocês que dormem
nos campos de Flandres,
Durmam bem — para se
erguer renovados!
Pegamos a tocha que
nos jogou
E segurando-o ao
alto, manteremos a Fé
Por Todos que
morreram.
Também apreciamos as
papoulas vermelhas
Que crescem nos campos
de lutas gloriosas;
Parecem sinalizar aos
céus
Que o sangue de
heróis não desvanece
Mas dá cor acentuada
À flor que permeia
entre os mortos
Nos campos de
Flandres.
Usaremos em honra aos
nossos mortos
A tocha e a papoula
vermelha.
Não receiem que tenham
falecido em vão;
Ensinaremos a lição
que nos demonstraram
Nos campos de
Flandres.
Nos campos de
Flandres onde lutamos.
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