Em ortopedia
há uma deformidade congênita do pé na qual o pé se apresenta com a face plantar
convexa, dito pé-em-mata-borrão. Da mesma forma, costuma-se recomendar o uso de
botas ortopédicas e calçados com solado em mata-borrão para certas patologias ortopédicas.
Fico estarrecido quando ao indagar de meus residentes o que é um mata-borrão, não
sabem responder. Devido à convexidade do solado, assemelha-se ao suporte
inferior das pernas de uma cadeira de balanço, daí o nome inglês para a
deformidade e o solado convexo de “rocker-bottom”.
O
papel mata-borrão é um papel grosso absorvente de líquidos, em especial da
tinta usada para escrever. O porta-papel mata-borrão apresenta uma superfície
convexa onde fica preso o papel absorvente. Este objeto lembra o
“rocker-bottom” da cadeira de balanço, embora
o nome de mata-borrão em inglês seja “ink blotter”.
Mata-borrão
é um termo muito utilizado no sul do Brasil, em especial no Rio Grande do Sul. Um
dos poemas de Mário Quintana fala sobre o mata-borrão:
“O
mata-borrão absorve tudo e no fim da vida acaba confundindo as coisas por que
passou... o mata borrão parece gente!”
Antigamente para
se secar a tinta de um manuscrito utilizava-se um pó bem fino, geralmente obtido
do endoesqueleto de uma certa espécie de cefalópode, onde se incluem a lula e o
polvo, um tipo de estrutura calcárea interna. Embora tenha sido divulgado
falsamente o uso de areia, mesmo quando bem fina, de nada adianta, pois acaba deixando
a escrita borrada. Após passar o pó pela superfície da escrita, ela seca rapidamente
e, assim, pode-se dobrar o manuscrito sem perigo de borrá-lo.
Tem-se notícia
que um papel que absorvia líquidos já existia na Idade Média, porém a
preferência era dada para o pó do esqueleto do cefalópode, por ser bem mais
barato. Há relatos escritos sobre papel mata-borrão nos Estados Unidos desde os
fins dos século XVII. Mas foi após os meados do século XIX que se tornou comum
o seu uso naquele país, quando Joseph Parker & Filho começaram a fabricar
papel mata-borrão. Mais tarde apareceu um papel melhorado, com um lado liso e o
outro lado absorvente. Surgiu então, o porta-papel mata-borrão com sua
superfície convexa. O uso frequente de penas e canetas-tinteiro por todos fez
com que cada escritório ou cada escrivaninha portasse um mata-borrão. Na
primeira metade do século XX tornou-se muito popular e servia até como
importante peça de propaganda de fabricantes de canetas-tinteiro, bancos,
comércios e, principalmente, de companhias de seguro.
Com a invenção
da caneta esferográfica nos anos 1950, aos poucos o mata-borrão foi
desaparecendo das mesas dos escritórios. Muitas destas peças eram bastante
ornamentadas, feitas de madeira, vidro, bronze ou de prata. Em geral,
apresentavam uma bolota rosqueada, que firmava uma prancheta plana que prendia
o papel mata-borrão à superfície convexa do objeto. São muito procuradas por
colecionadores.
Alguns anos atrás estive no
consultório de um colega bastante conhecido. Observei que costumava escrever
com caneta-tinteiro e secava a tinta com um mata-borrão. O papel, que outrora
fora branco, estava preto (ou azul escuro) de tanto usar. Para satisfazer minha
curiosidade, indaguei porque não trocava o papel mata-borrão. Sua resposta foi imediata:
não encontrou mais para comprar. Em casa, comentei com minha esposa que
prontamente se dispôs a procurar o papel. Não havia no mercado. O doutor tinha
razão. Porém veio a ideia de se usar um papel de filtro, porém mais grosso que
o habitual, que talvez servisse. Foi outra luta para achá-lo, mas, enfim, tivemos
êxito. Outro problema que surgiu era de que só poderia ser comprado na fábrica
de filtros de papel e em quantidade. No entanto, quando foi explicado,
pessoalmente, para o que queríamos, foi-nos concedido uma ou duas folhas do
papel de filtro. Bastou telefonar para a secretária do doutor e pedir que
tirasse as medidas do mata-borrão, e levar as folhas para uma gráfica para
cortar no tamanho certo. Foram cerca de cem papéis mata-borrão que levei para
ele. O colega ficou contentíssimo e ainda me disse que tinha papel mata-borrão
para o resto da vida. Não o encontro há anos. Sei que ainda está na ativa, apesar
de ter se aposentado do serviço público. Tenho a certeza de que até hoje está
usando o mata-borrão com os papéis que lhe forneci.
Gostei de ler a postagem!
ResponderExcluirSandra
A juventude de hoje que jamais usou caneta tinteiro nem sabe o que é o "mata-borrão".
ExcluirCom certeza, mas a caneita tinteiro e o mata-borrão me lembram minha infância, eu cheguei a escrever com caneta tinteiro, mas eu borrava muito. Meu pai tinha uma caneta Sheaffer bordo linda, eu queria ter uma igual. A tinta era nankin. Eu achei a postagem quando procurava como se fala mata-borrão em inglês e tive a sorte de encontrar o seu blog!! Obrigada por compartilhar tantas informações.
ResponderExcluirÓtima informação! Mas colega Walter, não acho que precisaria ficar estarrecido por residentes não saberem o que é um instrumento que não é utilizado há algumas décadas. Seus residentes provavelmente não saberiam utilizar nem um telefone de disco.
ResponderExcluirÓtima informação! Mas colega Walter, não acho que precisaria ficar estarrecido por residentes não saberem o que é um instrumento que não é utilizado há algumas décadas. Seus residentes provavelmente não saberiam utilizar nem um telefone de disco.
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