(um episódio esquecido da História do Brasil)
As Províncias
Unidas do Rio da Prata se tornaram independentes da Espanha em 1809, tendo como
capital Buenos Aires (o nome Argentina só foi utilizado após 1826). A Província
Cisplatina fazia parte do Império do Brasil, mas a Argentina a reivindicava
para si. A Província era estrategicamente muito importante para o Brasil, pois se
localizava no delta dos rios Paraná e Paraguai, dois rios importantes para o escoamento
do ouro das Minas Gerais e da prata do Peru.
Em 1825, as
Províncias Unidas do Rio da Prata invadiram a Cisplatina, instigando os moradores,
principalmente do interior, contra o Brasil. O Imperador D. Pedro I considerou
a situação intolerável e lhes declarou guerra.
À medida que a
guerra avançava, foi necessário contratar estrangeiros para reforçar o
contingente armado. Os jornais, políticos e homens de negócios que se opunham à
guerra, haviam envenenado a população contra estes soldados para lutar uma
guerra que parecia não ter fim. Havia batalhas nas ruas do Rio de Janeiro entre
os estrangeiros (principalmente alemães) e os brasileiros e escravos africanos,
levando muitas vezes a graves consequências.
D. Pedro
encontrava-se em situação bastante delicada, pois tinha de resolver logo esta
guerra com o país vizinho. Precisava de mais soldados, a fim de fortalecer as
tropas combatentes. Com esta finalidade, enviou um mercenário irlandês de nome
Coronel Cotter para recrutar seus compatriotas com a promessa de fazendas de 20
hectares para cada família, livres de qualquer custo ou vínculo.
Mais de 2500
fazendeiros pobres e iliteratos e suas famílias se aventuraram. Muitos venderam
o pouco que tinham para comprar implementos agrícolas para a vida nova no
Brasil. Aparentemente, não sabiam que tinham sido recrutados para lutar como
mercenários.
Dez navios
deixaram Cork, na Irlanda e chegaram ao Rio de Janeiro entre dezembro de 1827 e
janeiro de 1828. Quando chegaram, viram as promessas virarem pó, pois os
irlandeses descobriram, ao aportarem, que Cotter havia lhes faltado com a
verdade. A maioria recusou fazer parte da milícia, pois foram trazidos da
Irlanda como colonos. Resistiram bravamente em não usar o uniforme do exército
imperial e somente após a intervenção do embaixador inglês, houve uma trégua na
exigência de fazerem parte da tropa de mercenários.
Os irlandeses
foram abandonados, sem proteção ou apoio das autoridades. Tiveram de formar grupos
para se defenderem, lutando com paus e pedras contra os agressores, que
consistiam fundamentalmente dos escravos africanos, que formavam uma boa parte
da população do Rio de Janeiro e que tinham profunda antipatia pelos imigrantes
irlandeses e alemães que eles chamavam de escravos brancos.
Havia grande
descontentamento entre os irlandeses e os mercenários alemães devido ao mau
tratamento dado pelos comandantes, falta de pagamento de salários e boatos de
que era iminente a ida deles para o sul para lutar. Um dos alemães foi condenado
a cinquenta chibatadas por uma pequena infração, que foi quintuplicada para 250,
sem nenhuma justificativa. Depois de 210 chibatadas, os alemães libertaram seu
camarada e atacaram o oficial. Este foi o estopim para a revolta, que começou
em 9 de junho de 1828. Notícias da revolta alemã rapidamente chegaram aos
irlandeses e cerca de 200 deles se juntaram aos insurgentes.
Dirigiram-se ao
centro da cidade, as fileiras aumentando com a participação dos colonos
irlandeses frustrados pelas promessas não cumpridas, acompanhados de suas
mulheres e crianças. Logo começou intensa violência. Saquearam e queimaram
centenas de casas e lojas e, por onde passavam, gritavam: “Morte aos portugueses!”
e “Morte aos brasileiros!”. Ameaçavam inclusive enforcar D. Pedro.
No segundo dia
chegou-se à conclusão de que as tropas brasileiras no Rio de Janeiro eram
insuficientes para acabar com a revolta. Foram fornecidas armas aos cidadãos e,
pela primeira vez, aos escravos africanos. Lentamente, os irlandeses e alemães
foram obrigados a recuar e a se isolar nos quartéis, os melhores locais para poderem
se defender.
O imperador
solicitou ajuda das Marinhas Inglesa e Francesa atracadas no porto do Rio. Os
marinheiros ocuparam locais estratégicos na cidade, liberando o contingente
brasileiro para atacar os amotinados.
No terceiro dia,
muitos dos rebeldes se renderam e foram conduzidos ao cais do porto, onde foram
aprisionados em navios. Houve grupos que se recusaram e, no dia seguinte, foram
dizimados numa batalha com pesadas baixas de ambos os lados. O número oficial entre
amotinados, civis e tropas do império, foi de 360 mortos e 480 feridos. O
centro do Rio de Janeiro estava destruído, com corpos dos mortos e mutilados
por toda parte.
D. Pedro I
queria se livrar o quanto antes daqueles rebeldes. Os alemães foram mandados
para províncias em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Quanto aos irlandeses,
cerca de 1500 foram mandados de volta para a seu país de origem, à custa dos
cofres brasileiros, e ainda mais pobres do que quando deixaram a Irlanda.
Dado ao alto
custo da guerra pelos dois países e o comprometimento do comércio
principalmente com a Grã-Bretanha, aquele país forçou os beligerantes a
assinarem, cerca de dois meses depois do motim, o Tratado de Montevidéu, onde
foi reconhecida a independência da Província Cisplatina, sob o nome de República
Oriental do Uruguai.
Mais uma vez,
observa-se a inútil perda de vidas, por causa de uma decisão inescrupulosa e
precipitada de um governo autocrático e autoritário. A perda da Província
Cisplatina deixou o povo brasileiro muito insatisfeito com o Imperador e,
embora não fora o principal motivo, contribuiu para forçar a abdicação de D.
Pedro I em 1831.
Nenhum comentário:
Postar um comentário