segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

MEMÓRIAS DE SÃO PAULO



Na minha juventude, morava no bairro de Campo Belo, e as ruas eram de terra batida e não havia calçadas. As ruas principais do bairro (Rua Prudente de Moraes, hoje Rua Antonio de Macedo Soares, e a Rua Vieira de Morais) que cruzavam com as outras, eram as únicas cobertas com paralelepípedos, alguns quarteirões com calçadas, outros não. O movimento de automóveis era pequeno, com trânsito maior de caminhões e ônibus. Dependíamos destes ônibus e dos bondes para ir e vir do centro.

Andar de bonde, então, era uma aventura. No trajeto que ia da Praça João Mendes até Socorro, o bonde levava quase duas horas. Depois de descer a Rua Conselheiro Rodrigues Alves e passar pelo Instituto Biológico, entrava numa longa reta, com trilhos à semelhança de uma estrada de ferro. Da mesma forma que uma ferrovia, as paradas tinham os nomes em placas presas entre dois postes com a identificação pintada em letras pretas sob fundo branco, cuja sequência até chegar em Santo Amaro eram: Ipê, Monte Líbano, Moema, Indianópolis, Vila Helena, Rodrigues Alves, Campo Belo, Piraquara, Frei Gaspar, Volta Redonda, Brooklin Paulista, Petrópolis, Floriano, Alto da Boa Vista e Deodoro. Daí por diante, os trilhos voltavam a ficar embutidos nos paralelepípedos e viam-se muitas casas e lojas comerciais. Pois o fato é que durante todo o trajeto desde o Biológico, havia grande número de chácaras e poucas casas, estas últimas se aglomerando junto às paradas dos bondes. Do Largo 13 de Maio, centrão de Santo Amaro, o bonde, que era fechado, descia até a Praça São Benedito. Quem quisesse atravessar a ponte sobre o rio Pinheiros e chegar à Praça de Socorro, fazia a baldeação para um bonde aberto. Pergunto-me até hoje o motivo disso. Será que a ponte não suportava o peso de um bonde maior, ou não havia passageiros suficientes e era vantagem retornar logo para a cidade com o bonde maior?

Íamos de bonde para o Colégio Estadual que ficava em Santo Amaro. Muitas vezes os nossos professores nos faziam companhia, pois poucos tinham seus próprios carros. Lembro-me bem de uma ocasião em que os bondes pararam no Brooklin, um atrás do outro e tivemos de ir a pé até a escola, uma pernada e tanto. Os meus colegas e eu passamos em frente à fábrica de chocolates Lacta. Logo adiante, vimos o motivo. Na parada Petrópolis, um bonde em alta velocidade havia colhido um caminhão distribuidor de água da Fonte Petrópolis (que existe ainda hoje), arrastando-o por vários metros. Não me lembro se alguém saiu ferido. Havia garrafas de água e cacos de vidro por todo lado. Será que o motorneiro desceu o declive existente em frente à Lacta à toda e não conseguiu parar em tempo e pegou o caminhão que estava atravessando a linha?

A vida, na adolescência, era bastante pacata e singela. As andanças de bicicleta com um grupo de coleguinhas era uma delícia. Dois quarteirões depois de nossa rua, começavam as chácaras onde eram plantadas hortaliças que abasteciam a cidade de São Paulo. Havia estreitas passagens nas chácaras pelas quais íamos com nossas bicicletas até chegarmos ao Aeroporto de Congonhas. Naquele tempo, o aeroporto não era cercado e íamos até a cabeceira da pista e lá ficávamos observando os aviões passar por cima de nossas cabeças para pousar. Nem imaginávamos o perigo pelo qual passávamos, porém a gente sabia que estávamos errados pois, vez ou outra, saíamos correndo de lá quando um jipe vinha em nossa direção, piscando os faróis. Era apenas um incentivo para ousarmos voltar. Será que cercaram o aeroporto por nossa causa?

A nossa rua de terra era um convite para se jogar “taco”, uma modalidade brasileira simplificada do “cricket”. A finalidade era derrubar, com uma bola (geralmente de tênis), uma casinha em formato de tripé feita com alguns finos galhos de árvore e que era defendida por quem estivesse com o taco. No jogo inglês, há três pequenos postes, unidos por travessas pequenas no seu topo que precisam ser derrubadas. Meu pai esculpiu um lindo taco para mim, que era invejado por todos os jogadores. Está guardado como lembrança daqueles tempos.

Outro jogo bastante gostoso era com bolinhas de gude. Fazíamos três buracos equidistantes alinhados na terra e um quarto buraco em ângulo reto com o buraco da ponta. Tínhamos de alcançar aquele último, mas também precisávamos afastar os adversários, atingindo suas bolinhas com a nossa. Depois de fazer nossas lições de casa, ficávamos jogando até o anoitecer, quando nossos pais nos chamavam para jantar e dormir. É desnecessário dizer que voltávamos para casa resmungando e de mau humor.

Os dias passam céleres e eis que estamos retratando fatos de mais de cinquenta anos atrás! Como era bom não ter responsabilidades, não ficar preso dentro de casa em frente a uma televisão, que poucos tinham naquele tempo. Não havia computadores, nem éramos escravos de celulares, tablets etc. Eram outros tempos. Ah, tempos idos, que não voltam nunca mais...

6 comentários:

  1. Nostálgico. Há 30 anos eu jogava bola e taco, nas ruas do Itaim bibi e ninguém acredita, hoje em dia.

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    1. Pois é, Rodrigo; por isso tem de se conservar a Memória de tudo que já se vivenciou.
      Forte abraço.

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  2. Caro Walter
    Eu morei em Moema na avenida Jandira, até os 6 anos.
    Me lembro muito bem do bonde e do retão que vc descreveu, como se fosse trem.
    Vc citou as chácaras, ia buscar verduras mais barato!!!
    Linda recordação desta região de São Paulo. Depois mudei-me para o Sumaré.
    Forte Abraço
    Lara

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  3. Iva d'Andrea23:00:00

    SUA EXPRESSIVA CRÔNICA MEXEU COMIGO. VIVI TUDO ISSO QUANDO IA PARA O NOSSO QUERIDO "ALBERTO CONTE". QUE DOCE NOSTALGIA!!!

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    1. Profa. Iva,
      É uma honra tê-la entre meus amigos. As lembranças daqueles tempos, com a senhora, D. Cely e o prof. de trabalhos manuais no bonde, são indeléveis.

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