domingo, 30 de novembro de 2014

UM RARO PROBLEMA DE SAÚDE



 

 Boston Children's Hospital

Até os oito anos de idade, a criança parecia normal. Nascera sem mazelas e  foram-lhe dadas todas as vacinas programadas. Um dia, a mãe foi chamada à escola porque seu filho não estava bem. A diretora não soube especificar, pelo telefone, o que tinha acontecido. Voou até lá; até passou em sinal vermelho. Telefonou para o marido, mas não conseguiu falar com ele. Estava inspecionando alguma obra, pois era sócio de uma construtora.
O menino se encontrava na sala da diretora e, pelos seus olhos injetados, era óbvio que estivera chorando. A mãe olhou para ele e depois para a diretora e uma expressão de alívio surgiu em seu rosto ao perceber que não sofrera nenhum acidente. Esta expressão foi substituída por uma de interrogação. A diretora explicou que, durante o recreio, fora chamada pela orientadora: André havia parado de brincar, olhava para o braço esquerdo e reclamou que parecia não estar lá. Não sabia dizer direito o que sentiu. Negava presença de dor. Apenas não sentia o braço. Ao ser indagado pela mãe, referiu que já voltara a senti-lo e, para comprovar, moveu o braço, levantou-se e foi abraçar sua mãe. Ela foi aconselhada a levá-lo ao pediatra.
No transcorrer dos dias seguintes, André se comportou como qualquer criança normal e os pais, sempre muito ocupados, foram protelando a visita ao médico. Quando chegou a data habitual para uma consulta pediátrica, alguns meses depois, a mãe só mencionou de passagem o que ocorrera e o pediatra não deu nenhuma importância ao fato.
Quatro ou cinco anos depois, começou a se queixar de dores de cabeça frequentes a ponto de ter de ficar deitado, mesmo após medicado. Levou o menino ao pediatra. Havia esquecido completamente daquele sintoma de paresia passageira. O pediatra também não se recordara dele, pois não o tinha anotado no prontuário do menor.
Num fim de semana, ao passar pela porta do quarto do André, a mãe ouviu um ruído estranho e, entrando, encontrou o menino no chão, convulsionando. Imediatamente, gritou por socorro, virou o menino de lado para que não aspirasse, como havia ouvido num programa de rádio e, chorando, tentou acalmar o menino. Quando o pai chegou, o garoto já não se debatia. Puseram-no na cama e telefonaram para o pediatra. Como André havia melhorado, recomendou que ficasse de cama, mas se voltasse a convulsionar, levasse para o hospital mais próximo (do lado de sua casa).
Nada aconteceu. Quando foram ao pediatra no dia seguinte, este constatou que o André aparentava saúde perfeita, mas aconselhou que procurassem um neurologista, pois poderia estar apresentando alguma forma de epilepsia. Assim fizeram e este solicitou vários exames complementares, entre os quais um novo exame recém-chegado ao Brasil, chamado ressonância nuclear magnética. No laudo da ressonância cerebral constava a hipótese diagnóstica de Doença de Moyamoya.
O neurologista explicou que se tratava de uma doença muito rara da qual não tinha experiência e referiu o caso para um neurocirurgião. Este confirmou o diagnóstico pela ressonância e disse que se tratava de uma doença congênita com gradativa obstrução das carótidas e artérias da base do crânio, responsáveis pela irrigação sanguínea cerebral e que, eventualmente, poderia levar a derrames e mesmo à morte. De seu conhecimento, havia uma cirurgia para resolver esta patologia, porém ela era feita nos Estados Unidos. O Hospital Infantil de Boston (Boston Children’s Hospital) tinha a maior experiência com esta técnica. Ele conhecia um dos neurocirurgiões daquele hospital de Massachusetts. Por coincidência, na semana seguinte, este cirurgião estaria no Brasil para participar de várias conferências. Se os pais de André concordassem, poderia fazer um contato com ele.
Depois de ver a ressonância, o médico americano quis examinar o André e ele foi levado ao hotel onde se encontrava hospedado. Após o exame, o neurocirurgião retirou do bolso um caderninho de anotações, consultou-o e marcou a cirurgia para daí a duas semanas. Contou que havia necessidade do menino ser operado com urgência, pois sofria o risco de um derrame fatal a qualquer hora. O procedimento cirúrgico tinha o complicado nome de arteriosinangiose pial. A técnica fora desenvolvida havia mais de 10 anos e os resultados eram muito bons. Haveria necessidade do André permanecer em Boston por alguns meses após a cirurgia, até se ter certeza que estava bem recuperado.
Não havia como não aceitar. Surgiu um dilema para a família. O custo seria muito elevado. Decidiu-se então que o pai venderia sua participação na construtora, para fazer frente às despesas. Ao tomar conhecimento do problema deles, um engenheiro indiano muito chegado ofereceu entrar em contato com amigos indianos residentes em Boston que poderiam ajudar a acomodá-los. Apenas André e seu pai viajariam, a mãe permanecendo na casa dos pais dela, cuidando da irmã do André, já que tiveram de se desvencilhar da casa que tinham acabado de comprar, pois não poderiam continuar pagando as prestações.
A cirurgia transcorreu dentro do esperado. A comunidade indiana de Boston os acolhera como irmãos e depois que André recebeu alta do hospital, ficaram hospedados na casa de um dos indianos que lá conheceram. Outros membros da comunidade também colaboraram com ambos, já que durante sua recuperação, André necessitava de vigilância constante.
Sempre uma pessoa muito ativa, o pai de André, que dominava um pouco de inglês, resolveu frequentar cursos no M.I.T., o Massachusetts Institute of Technology, o Instituto de Tecnologia daquele estado. Com sua experiência, logo começou a se destacar e foi convidado a partilhar seus conhecimentos e vivência profissional brasileiros com seus colegas americanos, inesperadamente tornando-se um palestrante respeitado.
Chegou o momento de voltar para o Brasil, mas faltava ainda acertar uma boa parte dos honorários médicos da equipe do hospital. Na última consulta com o neurocirurgião, muito constrangido, confessou que tão logo voltasse para o Brasil, iria levantar um empréstimo para saldar seu compromisso com ele. O médico deu risada e disse que tudo já fora resolvido, pois recebera, na véspera, a visita de dois representantes da comunidade indiana com um cheque no valor exato do que devia. Houve uma contribuição de todos para cobrir as despesas que fizera, embora o pai de André nada havia comentado com seus amigos indianos. No entanto, jamais soube como tomaram conhecimento de suas dificuldades financeiras.
André nunca mais teve quaisquer sintomas. Todo ano voltava para Boston com o pai para uma avaliação médica e visitar os amigos. O pai fazia isto coincidir com os convites que recebia do M.I.T. para palestras. André se formou engenheiro e está fazendo pós-graduação no M.I.T. Seu pai fundou uma companhia de engenharia no Brasil juntamente com aquele engenheiro indiano que os apresentara para seus compatriotas em Boston e os dois pretendem receber André de braços abertos como um novo sócio. Atualmente, já é uma firma internacional, com filiais nos Estados Unidos, na Índia e na Inglaterra. Prima em atender os mais necessitados, principalmente das minorias indianas espalhadas pelo mundo. Criou-se também uma fundação, centrada nos Estados Unidos, gerenciada por vários indianos de Boston, para o estudo de doenças raras da infância. O pai, e o próprio André, souberam, como ninguém, colocar a gratidão acima de tudo, após terem passado por duras agruras.

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