O fim da Avenida Paulista, antes da descida para o Pacaembu, em São Paulo, é completamente diferente da aparência que tinha no começo dos anos 50. Não havia viadutos e várias ruas que afluíam para a avenida, já não existem mais. Lembro-me perfeitamente bem do ponto de táxi na esquina da Rua Minas Gerais com a Paulista. Quando ia passear com meu pai, gostava de parar lá para admirar aqueles automóveis Ford, Buick, Chevrolet, etc. que eram tão usados como carros de praça.
Bem naquela região e conservada até hoje, porém com outro nome, está a rua sem saída — chamada de travessa — onde morávamos na época. Era uma vila bastante reservada, no sentido de que poucas pessoas costumavam entrar ali, salvo seus moradores e visitas. Não obstante, foi lá que travei conhecimento com os primeiros ambulantes de minha vida.
Todas as manhãs eu era acordado pelo som de cascos nos paralelepípedos e descia correndo as escadas para, junto com minha mãe, comprar pão (e principalmente pão doce) do padeiro, que trazia seus produtos numa carrocinha fechada. O engraçado é que eu não dava a mínima atenção para seu cavalo, um interesse infantil comum; tudo que queria era que o padeiro abrisse a porta que se situava na parte de trás da carrocinha para que pudesse inalar o delicioso aroma de pão fresco. Aliás, toda vez que entro numa padaria e chega às narinas aquele cheiro de pão, bate a saudade de minha infância. Não voltava para casa. O pão doce era comido lá mesmo. Olhava a meu redor e lá estavam as crianças das casas vizinhas fazendo a mesma coisa que eu. Em volta da carrocinha, nossas mães acertavam as contas com o padeiro.
Freqüentemente, minhas atividades infantis — sejam recreativas ou escolares — eram interrompidas por um sujeito que andava por toda a travessa, entoando caracteristicamente: “Roupa velha! Roupa velha!”. Passavam-se menos de trinta segundos e ouvia-se novamente o mesmo adágio: “Roupa velha! Roupa velha!”. Sua aparição foi uma constante nos anos em que vivemos naquela rua e, em nenhuma ocasião vi alguém vendendo-lhe qualquer peça de vestuário. Era um judeu baixinho, de nariz adunco, que estava sempre de terno e chapéu, meio puídos, e ainda carregando outro paletó dobrado no braço esquerdo.
Outro personagem que invade minhas recordações daqueles tempos também me distraía de meus afazeres. Este, no entanto, parecia fazer negócios melhores com os habitantes da vila do que o comprador de roupa velha. Ele entrava na travessa, fazendo sua presença sentida ao cantar: “Jornal, revista, garrafeiro! Jornal, revista, garrafeiro!”. Puxava um carrinho que, normalmente, encontrava-se apinhado com suas aquisições. Este ambulante vinha regularmente, e minha mãe sempre tinha alguma coisa para lhe vender. Foi a primeira vez que vi um dinamômetro, que o cidadão utilizava para pesar os jornais. Pagava uma ninharia por eles, porém era um trabalho digno e honesto. Seu serviço jamais foi encarado como esmola. Bem diferente dos dias de hoje, quando se olha com desconfiança para os puxadores dos mesmos tipos de carrinhos, que recolhem tudo por nada, levando até aparelhos eletroeletrônicos!
Esses três ambulantes ficaram marcados em minha memória, talvez porque fossem habitués de nossa travessa onde, como crianças, passávamos grande parte do dia brincando em relativa segurança, pelo isolamento daquela ruela sem saída.
Todavia, seria injusto deixar de pelo menos mencionar aqui, outros ambulantes que presenciei naquela época, alguns dos quais existem até hoje: o realejo, com seu periquito e os bilhetes da sorte, o fotógrafo da Praça da República, mais conhecido como “lambe-lambe”, o doceiro na porta da escola, com seu famoso “quebra-queixo” e a “raspadinha”, entre outros.
Como bem escreveu Casimiro de Abreu em “Meus Oito Anos”:
“Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!”
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