sábado, 26 de abril de 2008

O CONCERTISTA

Em tempos idos, durante a vida acadêmica, foram muitas as situações que poderiam ser contadas. Entre elas, uma ocorrência merece especial destaque. Lembrei-me deste fato ao encontrar-me com o personagem principal.
Havíamos recebido um colega que repetira de ano e, devido à sua simpatia, logo se entrosou com toda a classe. Enturmou-se mais com uns, menos com outros, como é perfeitamente natural. Infelizmente, novamente não ia bem na mesma disciplina do Curso Médico. Procurávamos ajudá-lo, porém o professor, um sujeito durão, já ameaçava reprová-lo de novo e, conseqüentemente, seria jubilado e teria de deixar nossa escola de medicina.
Fazia parte de nosso aprendizado visitar hospitais especializados em certas doenças. Às vezes iam todos os alunos, outras vezes apenas determinados grupos.
Numa dessas ocasiões, um grande grupo foi conhecer um leprosário na companhia do professor em questão. Após passarmos visita aos pacientes internados, fomos deslocados para o auditório principal, onde esse docente nos faria uma exposição sobre a hanseníase. Sabíamos que nosso colega estava marcado pelo mestre e, pela informalidade reinante, procuramos convencê-lo a ser mais maleável com o aluno repetente. Porém o professor não se mostrou nem um pouco simpático com nossa investida, deixando bastante claro que nada poderia fazer se ele não se dedicasse mais à sua matéria.
No palco do auditório do leprosário havia um piano de cauda branco e um grupo se reuniu em volta dele, batendo alguns acordes no teclado. Alguém lembrou que nosso amigo repetente conhecia bem o instrumento e teve a idéia de sugerir que tocasse uma melodia. Ele então sentou-se ao piano e dedilhou as teclas, constatando que o mesmo estava um pouco desafinado. Ainda assim, insistimos para que tocasse.
Num dos cantos do salão, o docente, que todos sabiam ser um grande admirador de música, conversava animadamente com meia dúzia de nossos colegas. Interrompeu-se no meio de uma sentença, ficou boquiaberto e virou-se para saber quem estava tocando aquela peça de Beethoven, o concerto para piano conhecido como “O Imperador”. Apesar do piano desafinado, foi perfeitamente capaz de identificar a música, devido à maestria com que estava sendo executada.
Qual não foi sua surpresa ao descobrir que o pianista era justamente o aluno que estava na iminência de ser expulso da escola. Aproximou-se do palco e, silenciosamente, apreciando o concerto, aguardou seu término. Quem o observava, vislumbrava o deleite com que ouvia aquelas notas. Quando findou o movimento, o estudante não pôde esconder sua satisfação ao ver que os primeiros aplausos foram do próprio professor.
Em seguida, o mestre subiu ao palco, acompanhado de muitos de nós. Quis saber de seu aluno onde tinha aprendido a tocar tão bem e este confessou-lhe que era concertista e, para isso, precisava estudar várias horas todos os dias. A conclusão dele foi de que o colega não ia bem na disciplina porque tinha de estudar piano. Testemunhamos sua proposta a ele, arrancando-lhe a promessa que jamais exerceria a dermatologia. Com o juramento dado, garantiu-lhe que, por ele, já tinha passado de ano.
Esse colega formou-se conosco e tornou-se um médico psiquiatra bem conhecido em nosso meio. Gosto de contar essa passagem, pois demonstra como a música é capaz de sensibilizar até os mais durões. Passados cerca de vinte anos do ocorrido, um dia cruzei-me com o professor nos corredores de um conjunto de consultórios e fui cumprimentá-lo. Pela sua avançada idade, achei melhor não mencionar o que acabei de descrever, com receio de que, ou não se lembraria do fato, ou negaria veementemente que tivesse acontecido.Quanto ao colega concertista, esqueci-me de lhe perguntar se ainda tocava piano ou se estudava música com o afinco que dedicara naquela época!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

O SORRISO

São necessários 43 músculos para fazer cara-feia, mas apenas dezessete para um sorriso. Portanto, é 2,5 vezes mais fácil sorrir.
Essa expressão facial não é ensinada. Haja vista que uma criança nascida cega sorri da mesma maneira que uma pessoa normal, mas jamais viu alguém sorrir. Um bebê, mesmo com dois dias de idade, reage com um sorriso ao interesse dos que o circundam.
Há muitos tipos de sorrisos, mas a maioria denota emoções positivas, como alegria, alívio, diversão, felicidade, prazer e orgulho. Há estudos que sugerem que, ao sorrir, o indivíduo está feliz, e isso o ajuda para que se sinta melhor e a vislumbrar o lado mais leve e cômico da vida.
Fazer careta e ficar mal-humorado são emoções negativas. Essas também estão sendo estudadas. É certo que não dói sorrir, mesmo quando se tem aparelho nos dentes!
É quase certeza que o sorriso faz aproximar as pessoas. Sinaliza que você pode ser alguém interessante, agradável para conhecer, para fazer amizade.
Infelizmente, muitas vezes, a vida o joga em uma situação díficil, onde não há lugar para alegria. Pode-se ficar triste por um motivo ou outro, mas isso, de vez em quando, é normal. Pode não haver nenhuma razão para um sorriso, mas faça uma tentativa: olhe-se no espelho e dê um sorriso, mesmo forçado. Verá que as coisas irão melhorar. Ficando na companhia de alguém que esteja alegre poderá, também, ajudá-lo a voltar a sorrir.
Um sorriso é contagiante, portanto, espalhe-o. Andando pela rua, sorrindo, poderá deixar todos a seu redor mais felizes. Uma pessoa sábia disse, certa vez: — Um sorriso não custa nada, mas dá um grande retorno. Enriquece quem o dá. Leva apenas um instante, mas dura uma eternidade na memória. Ninguém é suficientemente rico, para que possa viver sem ele.
Talvez um dos sorrisos mais famosos ficou gravado para sempre na tela de Leonardo da Vinci, “Mona Lisa”. Acha-se que foi um nobre de Firenze, Bartolommeo di Zanobi del Giocondo, que a encomendou de Leonardo, em 1503. Seria a pintura de sua terceira esposa, Lisa di Antonio Maria di Noldo Gherardini. Ela teria, então, 24 anos de idade.
Quando Leonardo deixou Florença, em 1507, levou o quadro com ele, e o vendeu ao Rei Francisco I, da França, para o castelo de Ambroise. Ficou depois em Fontainebleau, Paris, Versailles e, posteriormente, na coleção de Luiz XIV. Após a Revolução Francesa, ganhou um lugar no Louvre, mas Napoleão o levou de lá e pendurou em seu quarto de dormir. Quando Napoleão foi preso, “Mona Lisa” voltou para o Louvre.
Em 1911, a pintura foi roubada por um italiano, que a levou para a Itália. Surgiu dois anos depois em Florença. Após várias exposições, foi devolvida ao Louvre. Nas décadas de 1960 e 1970, foi exposta em Nova Iorque, Tóquio e Moscou. Hoje se encontra no Louvre, em Paris, por trás de vidro à prova de bala, e há acordos internacionais que não permitem que saia mais dali.
Há também a história da diretoria de uma rede de supermercados, nos Estados Unidos, que orientou seus funcionários para receber os clientes com um sorriso e contato visual direto. Houve 12 funcionárias que processaram a firma, depois de receberem propostas indecorosas de clientes!
É óbvio que não há necessidade de exageros, andando por aí com um sorriso congelado na cara. Mesmo quando está se divertindo, não precisa sorrir o tempo todo. Basta fazê-lo no auge. Mas...

Sorria!
Nem que seja um sorriso triste.
Por que mais triste que um sorriso triste,
É a tristeza de não saber sorrir.

domingo, 6 de abril de 2008

UMA PEDRA NA HISTÓRIA DA ESCÓCIA

A formação rochosa mais comum do Reino Unido é o arenito. Por onde quer que se viaje, encontrará casas, edifícios, estátuas e palácios revestidos com essa pedra.
Talvez a pedra mais famosa da Grã-Bretanha seja a Pedra do Destino, também conhecida por Pedra de Scone. A disputa dessa pedra tornou-se uma questão de honra para os escoceses, pois representa para eles um dos mais importantes símbolos de sua pátria.
A pedra à qual me refiro é de um pedaço de arenito, uma rocha cortada em formato retangular, irregular e tosco, medindo 67 x 42 cm, com 26 cm de altura, e pesando 152 kg.
Conta-se que a Pedra serviu de travesseiro para Jacó, o rochedo onde repousou sua cabeça quando sonhou da escada que se erguia aos Céus. A lenda continua, afirmando que a Pedra foi levada para a Escócia por descendentes de Scota, filha do faraó do Egito, e instalada num local chamado Scone por um rei que uniu o reino dos escoceses com o de outro grupo autóctone, no séc. IX.
No entanto, o arenito da Pedra do Destino é do tipo que se encontra na área de Perthshire, um condado a leste da Escócia. Fica difícil separar ficção de realidade.
Por aproximadamente 400 anos, os reis dos escoceses eram coroados, sentados na Pedra do Destino. Com o passar dos anos, a realeza escocesa foi se enfraquecendo, e a inglesa se fortalecendo, a ponto dos reis ingleses encararem os escoceses como seus vassalos, inaceitável para os escoceses até os dias de hoje.
Nos finais do séc. XIII, a Inglaterra se via em guerra com a França e convocou forças escoceses para participar. Desafiaram a convocação e ainda procuraram um tratado com os franceses. Isto bastou como desculpa para uma invasão da Escócia. O rei escocês foi aprisionado e enviado para a Torre de Londres. Os símbolos nacionais, a coroa, o cetro, a espada e também a Pedra do Destino foram confiscados e enviados para Londres em 1296, na tentativa de esmagar a identidade daquele povo.
Por 700 anos, os reis da Inglaterra e, posteriormente, da Grã-Bretanha e Irlanda, foram coroados sobre a Pedra na Abadia de Westminster, em Londres. Durante todos estes anos, a Pedra de Scone ficou debaixo do Trono de Coroação inglês. Entretanto, um rei escocês sentaria novamente na Pedra do Destino: em 1603, Jaime IV da Escócia tornou-se Jaime I da Inglaterra, assim unindo as duas Coroas. A última coroação foi em 1953, quando subiu ao trono a Rainha Elizabeth II. Aberta para visitação pública, tivemos ocasião de ver a Pedra na Abadia de Westminster em 1992.
A ausência dos símbolos nacionais da Escócia jamais mitigou os escoceses de sua cidadania. Até a união das nações no séc. XVII, continuaram coroando seus reis e estabelecendo suas próprias leis e tratados.
No dia de Natal de 1950, estudantes escoceses conseguiram remover a Pedra da Abadia de Westminster e levá-la para a Escócia. Alguns meses depois foi descoberta e novamente instalada sob o Trono de Coroação. Este ato foi ilegal, mas os estudantes não foram sequer processados. Porém, o incidente demonstrou como muitos escoceses do séc. XX se sentiam em relação aos símbolos de sua nação em poder dos ingleses.
Foi totalmente inesperado o discurso do Primeiro-ministro britânico, ao se levantar na Casa dos Comuns do Parlamento, em 3 de julho de 1996:
“A Pedra do Destino é o símbolo mais antigo da realeza escocesa. Foi utilizada na coroação dos reis escoceses até o fim do século XIII. Exatamente 700 anos atrás, em 1296, o Rei Eduardo I a trouxe da Escócia para hospedá-la na Abadia de Westminster. A Pedra é de propriedade da Coroa. Quero informar a esta Casa que, aconselhada pelos seus ministros, a Rainha concordou que a Pedra deva ser devolvida para a Escócia. É claro, a Pedra continuará sendo usada nas tradicionais cerimônias de coroação dos futuros soberanos do Reino Unido.
“A Pedra do Destino tem um lugar muito especial no coração dos escoceses. Nesta data de 700 anos da remoção da Escócia, é apropriado que retorne a seu lar. (...) A Pedra será colocada num local apropriado na Escócia (...) ao lado das Honras da Escócia, as jóias da coroa mais antigas da Europa (...).”

No dia 30 de novembro de 1996, Dia de Santo André, padroeiro da Escócia, num cerimonial rico em pompa e circunstância, a Pedra foi instalada no Castelo de Edimburgo, na Sala da Coroa, construída por Jaime IV da Escócia (depois Jaime I da Inglaterra), que uniu as Coroas dos dois países em 1603. Se não bastasse, foi também autorizada a formação do Parlamento Escocês, inexistente por muitos séculos.
Foi com enorme satisfação e emoção que pudemos ver a Pedra do Destino naquele local, em 2002, acompanhada das coroas escocesas, a espada e o cetro, os maiores símbolos do povo escocês.