sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

UMA TARDE NA VARANDA

A varanda era voltada para o ocaso. Por isso, ficar lá no período da tarde era a distração favorita de meu avô. Lembro-me tão bem. Ele sempre andava a passos lentos, metido em suas alpargatas, com um casaco de lã, mesmo no calor, e ainda usava um boné. Eu brincava em volta dele com meus carrinhos, sem perturbá-lo. Ao escrever essas reminiscências, procurei calcular sua idade na época. Perguntei até para minha mãe. Não me surpreendi com a resposta: teria mais de noventa anos.

Meu avô ficava horas em sua cadeira de balanço, olhando para o nada. Não cochilava. Fixava o olhar num ponto distante, para além do jardim que começava a partir de nossa varanda. Freqüentemente, dos meus brinquedos e sentado no chão, eu virava para o velho, tentando imaginar sobre o que pensava. Quantas vezes não quis perguntar-lhe o que estava vendo, mas faltava-me coragem.

Entre meus folguedos, passar um tempo na varanda era um de meus prediletos. Achava que a companhia de meu avô nada tinha a ver com isso, pois mal trocávamos palavras. Sentia seu silêncio e, em conseqüência, também mantinha-me calado. Até quando movia meus carrinhos, fantasiando uma corrida de automóveis, estes percorriam as distâncias mudos, sem nenhuma imitação vocal do ronco dos motores. Tenho a ligeira impressão de que meu avô apreciava essa presença silente, pois jamais reclamou de eu estar ali.

Ele não era de me chamar para sentar em seu colo, nem me afagava os cabelos. Permanecia sentado e imóvel, com as mãos entrelaçadas sobre a barriga. Muito mais tarde, fiquei sabendo que tivera uma aventura extraconjugal que perdurara por vários anos. Terminada, guardou lembranças daquela moça que conhecera. Após o falecimento de minha avó, quis tentar reativar aquele romance e fora procurar a garota de outrora. Sua decepção fora enorme ao encontrar uma pessoa completamente diferente da criada pela sua imaginação ao longo dos mais de trinta anos desde que a vira pela última vez. Ao retornar para casa, contara para minha mãe, que soube dar-lhe o apoio de que necessitava em seu aborrecimento, embora, intimamente, ela se chocasse com a revelação. Nunca em sua vida — contou-me — observara qualquer desvio na dedicação que tivera com minha avó.

Relato isso porque é bem provável que naquelas tardes na varanda, olhando fixadamente o horizonte, sonhava com uma imagem virtual que nunca fora uma realidade. Qual homem não tem sua fantasia numa mulher ideal, inalcançável? Contudo, como criança, eu não poderia sequer pensar em algo assim para justificar sua imobilidade na varanda. Quantos outros idosos não ficam apenas cochilando em seus lugares? Não era este o caso. Até me impressionava vê-lo assim, parado. Vez ou outra, levantava-se e ia para dentro de casa. Acho que ia ao toalete. Depois voltava e sentava-se na cadeira de balanço.

Não consigo precisar quanto tempo passei naquela varanda, mas estou seguro de que deve ter sido durante dois ou três anos. Tomava por certo sua presença. Eu não dava a mínima importância para isso. Aliás, era o que eu achava. Até que, certo dia, houve um grande reboliço em minha casa, todos chorando copiosamente. Não entendia o que estava acontecendo, porém soube que meu avô não ficaria mais na varanda e que nunca mais o veria.

Daquele dia em diante, deixei de brincar com meus carrinhos na varanda de casa.

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