Para quem é alto-míope, saberá perfeitamente do que irei relatar
a seguir...
Aos seis anos de idade já usava
óculos. Mesmo assim, apresentava dificuldade para enxergar sendo que, na escola,
era necessário sentar nas primeiras carteiras para poder ver direito o que se
escrevia na lousa.
Para a participação de esportes,
principalmente os coletivos, a limitação era imensa pela restrição visual e
receio de quebrar os óculos. Cinquenta anos atrás, o preço de armações não era
barato, sem se falar nas lentes, cada vez mais caras. O poder aquisitivo
naquela época também era um problema a ser encarado.
Fugir de uma briga com alguém na
escola ou com algum moleque de rua era regra geral, pois no primeiro encontrão,
os óculos voavam longe, eu nada mais enxergava e apanhava pra valer! Era até
considerado covarde por alguns colegas por esquivar-me de provocações, e como a
gente se sentia machucado quando era assim considerado pelas meninas!
Já cursando o colegial, um
professor de ginástica mandou que jogasse basquete sem óculos e não quis me
ouvir quando lhe disse que não veria a bola. Precisa dizer que levei uma bolada
no rosto e machuquei os dedos nas várias tentativas de pegar na bola.
Com o tempo, aprende-se a
conviver com qualquer problema da vida e, por isso, acaba-se aceitando as
limitações impostas pela deficiência visual.
Em termos de esportes, as
dificuldades de ir à praia sem óculos ou deixá-los na areia e entrar no mar,
fez com que preferisse o campo à praia. Em duas ocasiões diferentes, entrei no
mar de óculos e com a primeira onda lá se foram eles. Recuperei os óculos na
primeira vez; na segunda foram embora para sempre. Mais recentemente, fui andar
de caiaque e, embora alertado de que na chegada à praia tinha de cortar as
ondas perpendicularmente, o caiaque virou e fiquei por baixo dele. Com toda
minha força, me ergui com caiaque e tudo, no entanto, com uma das mãos
segurando os óculos na cara para não perdê-los. Um dos meus amigos lamentou
estar sem máquina fotográfica para documentar o momento tão hilariante que se
apresentou.
Um esporte que pratiquei durante
25 anos foi o tênis. Jogava quase somente duplas, mas sempre joguei mal, e
atribuo isso mormente ao meu problema de visão. Tive de abandoná-lo por outra
mazela, a artrose dos joelhos, mas esta é outra história.
Não precisa dizer também que
nunca gostei de óculos sujos e sempre carreguei uma flanela no bolso para
limpá-los. Como é desagradável molhá-los na chuva também.
Quando se instalou a presbiopia
consegui, para minha sorte, adaptar-me a lentes multifocais. Só usei bifocais
uma vez, que foram um desastre. Com o avanço da tecnologia, as lentes foram
ficando mais leves, porém mais caras. Foi recente a aquisição de lentes ainda
mais sofisticadas, porém há alguns anos, apresentava dificuldade cada vez
maior, mesmo com a correção da miopia, astigmatismo e presbiopia, pois estava
se instalando catarata em ambos os olhos.
Agora, para minha felicidade,
nestes próximos anos que me restam, estou enxergando quase como uma pessoa
normal, após me submeter à cirurgia de catarata. Não preciso mais procurar os
óculos para colocá-los como primeiro ato ao me levantar pela manhã. O meu
cérebro sempre aceitou um tamanho menor que o real para tudo ou não se lembrava,
e nunca registrou cores verdadeiras. Constatei isso ao olhar para uma coberta
de cama multicolorida que para mim sempre foi de cores meio desbotadas e agora
se apresenta em cores vivas, bonitas. No primeiro dia depois da cirurgia, pela
primeira vez na vida, visualizei-me como se estivesse usando óculos no banho: enxergava
o chuveiro, a água escorrendo pelo corpo e tudo em novas dimensões. Que
sensação agradável!
Não poderia deixar de relatar a
minha experiência de visita à barbearia após a cirurgia. Durante toda a vida,
para cortar o cabelo, precisava tirar os óculos e nada mais enxergava e tinha
de confiar nas habilidades do barbeiro, seus serviços conferidos pondo os
óculos de volta após o feito. Se não gostou, gostasse! Agora vejo tudo que ele
faz e tornei-me um grande palpiteiro durante o seu trabalho.
Como alto míope, curti setenta
anos com muitas limitações. Acredito que, tanto para a cirurgia a que fui
submetido, como aquela para miopia, com o advento do desenvolvimento
tecnológico, mesmo crianças não precisarão passar por estas minhas experiências
das mazelas da miopia.
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