sábado, 22 de fevereiro de 2014

O LORDE ESCOCÊS



A designação de Lorde Escocês, ou “Laird”, é dada à pequena nobreza e se situa logo abaixo do título de Barão. O lorde é normalmente de algum lugar ou seja, fulano de tal, lorde de X, sendo X o nome da localidade. Isso me faz lembrar de Leonardo da Vinci, sendo Vinci sua cidade de origem.
    O Lorde Lyon, que representa Sua Majestade a Rainha Elizabeth II sobre a determinação de títulos e dignitários na Escócia, recentemente emitiu o seguinte parecer:

O termo “laird” tem sido usado geralmente para o proprietário de terras, às vezes pelo próprio proprietário ou, mais comumente, por aqueles que residem e trabalham nas terras. É mais uma descrição do que um título e não é apropriado para o dono de uma residência normal, muito menos para o proprietário de uma pequena gleba, adquirida como suvenir. É desnecessário dizer que o termo “laird” não é sinônimo de “lord” ou “lady”.

   Apesar desta orientação oficial, encontram-se inúmeros sites na Internet oferecendo terras na Escócia, recebendo-se em troca uma escritura e o título de “Laird”. Há alguns anos, no site do meu guia escocês, havia um link para uma dessas ofertas. Na ocasião desconhecia o parecer acima, porém, mesmo cético, decidi aderir, quando soube que as £25.00 a pagar seriam utilizadas para reflorestamento na Escócia. Obviamente, jamais aceitei o título de Lorde Escocês, mas a brincadeira era interessante e recebi a escritura com o respectivo título.
   Três anos atrás, estive em John O’Groats, a vila mais setentrional da Grã-Bretanha e achei o loteamento. Teorica-mente, eu era proprietário de um pé quadrado (± 0,093 m2). Pisei nas “minhas terras”, não muito convencido de ser dono delas!
   Aproveitando o ensejo, em 18 de setembro de 2014 ocorrerá um referendum para definir se a Escócia se tornará um país independente do Reino Unido. § Discute-se quem tem direito de voto ou não. Há controvérsias a respeito, no entanto o critério estabelecido é o de que terão direito ao voto apenas os escoceses residentes na Escócia. A população total gira em torno de 5 milhões de habitantes e há mais 800.000 escoceses residindo na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte que não poderão votar. Acha-se que, pelo fato de morarem longe de suas origens, não serão afetados pelo resultado do referendum e, portanto, não devem opinar, mesmo que fossem considerados verdadeiros Lordes Escoceses.
   Na minha opinião, nenhum destes critérios define bem um escocês. Pode até servir para quem poderá votar ou não, mas o que realmente vale é o verdadeiro sentimento de ser escocês. A Escócia foi paixão à primeira vista. A culpa é dos próprios escoceses que são muito hospitaleiros e, com raríssimas exceções, nos recebem de braços abertos.
   Desde criança, sabia que corria sangue escocês nas minhas veias, pois tinha como parente uma médica de nome Annie McCall (1858-1949), uma das primeiras 50 médicas a se formarem e que ficou famosa em Londres, no fim do século XIX, por ter sido pioneira nos cuidados de mães solteiras. Fundou uma maternidade na qual todos os médicos e a enfermagem eram do sexo feminino. A partir de 1936, passou a ser chamado de Hospital e Maternidade Annie McCall. Durante a Segunda Guerra Mundial o hospital foi bombardeado e teve de ser fechado. Somente depois da morte da doutora, o hospital foi reconstruído e funcionou como uma maternidade sob a responsabilidade do NHS (Serviço Nacional de Saúde), encerrando suas atividades definitivamente em 1970.§§
   Nunca assumi a identidade escocesa por desconhecer o verdadeiro parentesco com aquela doutora. Parece que era uma prima distante, mas, nem por sonho poderia pleitear uma cidadania escocesa, sem provas concretas. Meu tio, que a conheceu, faleceu há quase 40 anos. Em suma, considero-me um pouco escocês, entre as minhas várias miscigenações raciais.
   Ser eu um Laird, é claro, é uma piada. Entretanto, como nós brasileiros costumamos dizer: “Tenho papel passado”!

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§   NOTA: Venceu o “não” nesse referendum e a Escócia não se tornou independente do Reino Unido. 
§§ NOTA: Em 2015, fui à procura da antiga maternidade e encontrei a edificação. Hoje está toda reformada e transformada em residências particulares.


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