O congresso fora um sucesso. Foram três dias de atividades intensas. Além da parte científica, houve várias festas de confraternização, desde os almoços no próprio centro de convenções, até o tradicional jantar de encerramento no sábado. O presidente do congresso, nativo da cidade, ofereceu um almoço no domingo para uns vinte colegas e acompanhantes, e eu fui um dos convidados. Tinha ido ao congresso sozinho. Não me senti solitário, pois conhecia a maioria e as conversas foram animadas. Do congresso ao futebol era só um passo. Farto almoço, regado a vinho e cerveja. Como gostava dos dois, tomei um pouco de cada. Sabia que estaria dirigindo e calculei que pararia de beber pelo menos duas horas antes de ir embora, dando tempo para metabolizar o álcool.
Não sei se nosso anfitrião tinha algum
compromisso, ou se estava apenas cansado. Depois de todo o estresse que
seguramente o congresso lhe causara, lá pelas tantas, todos estavam se
despedindo, após receberem várias indiretas de que estava na hora de encerrar aquele
almoço. Serviu-se o cafezinho, um biscoitinho para acompanhar e... tchau!
Era uma viagem de cerca de duas horas de
volta à Capital, e eu já estava com as malas no carro, pronto para a partida.
Sentia-me um pouco sonolento, mas nada como lavar o rosto num lavabo na casa do
presidente, para me deixar desperto e esperto.
Pus-me atrás do volante, despedi-me com um
aceno e, após contornar várias praças e seguir as placas, atingi a estrada
vicinal que me levaria à autopista para a capital. A cidade onde fora o
congresso não era grande e se localizava no interior do Estado, num local de
difícil acesso, justamente para que ficasse isolada do resto do mundo. Quando o
colega fora convidado para presidir o congresso, a condição que impôs foi de que
fosse realizado na cidade onde morava. Apesar da distância, foi aceita,
contanto que se alugasse um número de ônibus necessário e suficiente para quem
não quisesse ir de automóvel. Não era o meu caso. Gostava de guiar.
A estrada vicinal era uma reta só que não
acabava mais. Por isso, raramente os veículos respeitavam a velocidade marcada
nas placas a cada quilômetro. Macaco velho, e com receio da Polícia Rodoviária,
procurava me manter dentro dos limites de velocidade.
Bocejava sem parar. Sentia as pálpebras
pesadas. Opa, quase fui para o acostamento! Imagine se tivesse sido um
precipício. Dei uma risadinha, endireitei a direção e prossegui. Ouvi uma
buzinada e senti o carro balançar, quando um caminhão passou raspando na
direção contrária. Achei que tinha exagerado quando quis me manter afastado do
acostamento. Será que estava andando muito junto às faixas que separavam as
duas faixas de rolamento? Com as pálpebras pesadas, semiabertas, procurei
enxergar as faixas amarelas no asfalto e vi que estava longe delas. Bocejei de
novo.
Mas foi inevitável. Arregalei os olhos em
tempo de ver um outro automóvel vindo em minha direção. Ele estava na
contramão! Ou era eu? Tentei desviar, tentei buzinar, não sei o que fiz
primeiro. Só sei que não foi possível evitar uma colisão quase frontal. Ouvi
uma série de batidas e, depois... escuridão total.
Quando me dei conta, estava deitado numa
cama, num leito hospitalar, com as pernas engessadas, com gesso num dos membros
superiores também e com a cabeça enfaixada. Como doía o pescoço e a testa!
Minha primeira reação foi dar graças a Deus por estar vivo, pois o acidente
deve ter sido bem feio. O que será que aconteceu com o motorista do outro
automóvel? Ou foi um caminhão? Um ônibus? Dei novo bocejo. Como estava cansado.
Olhei ao meu redor, mas não havia ninguém no quarto. Se eu tivesse uma parada,
não haveria ninguém para me socorrer. Quando entrassem no recinto, já me
encontrariam morto.
Ainda com esses pensamentos macabros,
esquecendo-me de ter dado graças a Deus por estar vivo, comecei a sentir um
calor insuportável. Olhei pela janela e vi labaredas. Barbaridade! O hospital
estava pegando fogo e não havia ninguém aqui para me acudir. Comecei a me
movimentar e a gritar por socorro.
Abri os olhos. Meu pescoço doía mesmo. A
minha testa também. Pudera! Estava com a cabeça encostada no volante do meu
carro, com todas as janelas fechadas e um calor sufocante. Batia pleno sol
sobre ele, pois não havia sombra onde tinha parado. Bocejei de novo. Estava estacionado
num posto de abastecimento da estrada. Não tenho consciência de como fui parar
ali.
Sai do veículo, meio cambaleante e
dirigi-me ao toalete. De lá, fui à loja de conveniência, sentei-me a uma das
mesas e pedi um café bem forte. Fiquei pensando no pesadelo que tivera e de
como parei para tirar um cochilo.
Jurei, lá mesmo, que nunca mais tomaria
bebidas alcoólicas no dia que planejava pegar uma estrada. Dá de bater o carro
de verdade e não apenas sonhar que isso tivesse acontecido... Imagine!